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A metaestabilidade do receptor é a condição de eficácia da informação incidente (Simondon 1962)

A metaestabilidade do receptor é a condição de eficácia da informação incidente (Simondon 1962)

SIMONDON, Gilbert. 2020. A amplificação nos processos de informação. (Trads.: Pedro P. Ferreira; Evandro Smarieri) Trans/Form/Ação 43(1):283-300. [1962]

Ser ou não ser informação não depende somente de características internas de uma estrutura; a informação não é uma coisa, mas a operação de uma coisa ingressando num sistema, e nele produzindo uma transformação. A informação não pode ser definida fora desse ato de incidência transformadora e da operação de recepção. Não é o emissor que faz de uma estrutura uma informação, pois uma estrutura pode se comportar como informação com relação a um receptor dado sem ter sido composta por um emissor individualizado e organizado; impulsões provenientes de fenômenos aleatórios podem disparar um dado receptor […]. Em contraposição, os sinais emitidos por um emissor resultam apenas na degradação de sua energia portadora se eles não encontrarem um ou mais receptores nos quais eles desempenhem um papel eficaz, determinando as mudanças de estado que não poderiam ocorrer sem a incidência dos sinais: a realidade local, o receptor, é modificado em seu devir pela realidade incidente, e é essa modificação da realidade local pela realidade incidente que é a função da informação. É virtualmente receptora toda realidade que não possui inteiramente nela mesma a determinação do curso de seu devir. Essa condição é realizada se o receptor não é completamente um sistema, isto é: se de um lado ele possui um nível de organização elevado, com isolamentos internos e uma distribuição não-aleatória de seus elementos, permitindo-o reter uma energia potencial capaz de operar transformações futuras; e se, de outro lado, a mudança de estado possível pelo jogo da energia potencial não depende de fatores internos, locais. […] O receptor é uma realidade autônoma do ponto de vista energético, pois ele possui a energia potencial (energia de estado) capaz de garantir transformações, de as alimentar; mas o receptor não é efetivamente um receptor se não for heterônomo do ponto de vista da causa que dispara as transformações – essa causa disparadora sendo um aporte de energia incidente, eventualmente tão fraco quanto se queira. Por isso (autonomia energética e heteronomia da disparação das transformações por mudança de estado), um receptor é um quase-sistema, um sistema de entrada. […]

O receptor de informação é uma realidade que possui uma zona mista de interação entre as estruturas ou energias locais e os aportes de energia incidente; se essa zona mista de interação estiver em relação com a existência de estados metaestáveis, ela conferirá à informação incidente sua eficácia, isto é, a capacidade de iniciar, no receptor, transformações que não seriam produzidas nele espontaneamente apenas pelo jogo de fatores locais.

A irreversibilidade da relação entre a realidade incidente e a realidade local repousa sobre a metaestabilidade inicial do estado do receptor antes da recepção da informação. Essa metaestabilidade garante a autonomia energética do devir do receptor. Se o receptor estivesse em estado estável no momento em que recebesse a realidade incidente, ele não poderia ser modificado sem acoplamento reversível com um outro sistema: a entrada do receptor seria também uma saída efetora. É a metaestabilidade do estado do receptor que mantém a distinção funcional entre entrada e saída; antes de serem organologicamente distintas, entrada e saída são os termos extremos de uma transformação não-reversível, a entrada sendo a operação de informação por incidência em uma realidade em estado metaestável, e a saída sendo o efeito produzido no final da transformação da energia potencial desse estado metaestável, desencadeada pela incidência de informação. (pp.283-5)

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