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Jamais fomos modernos (Latour 1994 [1991])

Jamais fomos modernos (Latour 1994 [1991])

LATOUR, Bruno. 1994. Jamais fomos modernos: ensaio de Antropologia simétrica. (Trad. Carlos Irineu da Costa) Rio de Janeiro: Ed.34. [1991]

:::::::::: I – CRISE :.

1. A PROLIFERAÇÃO DOS HÍBRIDOS (p.7)

Multiplicam-se os artigos híbridos que delineiam tramas de ciência, política, economia, direito, religião, técnica, ficção. Se a leitura do jornal diário é a reza do homem moderno, quão estranho é o homem que hoje reza lendo estes assuntos confusos. Toda a cultura e toda a natureza são diariamente reviradas aí. […] Contudo, ninguém parece estar preocupado. […] Não misturemos o céu e a terra, o global e o local, o humano e o inumano. […] O navio está sem rumo: à esquerda o conhecimento das coisas, à direita o interesse, o poder e a política dos homens. (Latour 1994:8)

2. REATANDO O NÓ GÓRDIO (p.8)

Há cerca de 20 anos [a partir de 1991], eu e meus amigos estudamos estas situações estranhas que a cultura intelectual em que vivemos não sabe bem como classificar. […] Qualquer que seja a etiqueta, a questão é sempre a de reatar o nó górdio atravessando, tantas vezes quantas forem necessárias, o corte que separa os conhecimentos exatos e o exercício do poder, digamos a natureza e a cultura. […] Nosso meio de transporte é a noção de tradução ou de rede. Mais flexível que a noção de sistema, mais histórica que a de estrutura, mais empírica que a de complexidade, a rede é o fio de Ariadne destas histórias confusas. (Latour 1994:8-9)

3. A CRISE DA CRÍTICA (p.11)

Os críticos desenvolveram três repertórios distintos para falar de nosso mundo: a naturalização, a socialização, a desconstrução. […] Vocês podem ampliar as ciências, desdobrar os jogos de poder, ridicularizar a crença em uma realidade, mas não misturem estes três ácidos cáusticos. […] Será nossa culpa se as redes são ao mesmo tempo reais como a natureza, narradas como o discurso, coletivas como a sociedade? […] Este dilema permaneceria sem solução caso a antropologia não nos houvesse acostumado, há muito tempo, a tratar sem crises e sem crítica o tecido inteiriço das naturezas-culturas. […] Certo, mas não somos selvagens, nenhum antropólogo nos estuda desta maneira, e é impossível, justamente, fazer em nossas naturezas-culturas aquilo que é possível fazer em outros lugares, em outras culturas. Por que? Porque nós somos modernos. Nosso tecido não é mais inteiriço. […] A tripartição crítica nos protege e nos autoriza a restabelecer a continuidade entre todos os pré-modernos. Foi solidamente apoiados nesta tripartição crítica que nos tornamos capazes de fazer etnografia. Foi aí que buscamos nossa coragem.(Latour 1994:11-3)

[O]u é impossível fazer uma antropologia do mundo moderno – e é correto ignorar aqueles que pretendem oferecer uma pátria às redes sociotécnicas; ou então esta antropologia é possível, mas seria preciso alterar a própria definição do mundo moderno. Passamos de um problema limitado – porque as redes continuam a ser incompreensíveis? – a um problema maior e mais clássico: o que é um moderno?(Latour 1994:13)

Se o mundo moderno tornou-se, por sua vez, capaz de ser antropologizado, foi porque algo lhe aconteceu. (Latour 1994:13)

4. O MIRACULOSO ANO DE 1989 (p.13)

A simetria perfeita entre a queda do muro da vergonha e o desaparecimento da natureza ilimitada só não é vista pelas ricas democracias ocidentais. […] Quer sejamos anti-modernos, modernos ou pós-modernos, somos todos mais uma vez questionados ela dupla falência do miraculoso ano de 1989. […] E se jamais tivermos sido modernos? A antropologia comparada se tornaria então possível. As redes encontrariam um lar. (Latour 1994:14-5)

5. O QUE É UM MODERNO? (p.15)

“Moderno”, portanto, é duas vezes assimétrico: assinala uma ruptura na passagem regular do tempo; assinala um combate no qual há vencedores e vencidos. Se hoje há tantos contemporâneos que hesitam em empregar este adjetivo, se o qualificamos através de preposições, é porque nos sentimos menos seguros ao manter esta dupla assimetria: não podemos mais assinalar a flecha irreversível do tempo nem atribuir um prêmio aos vencedores. (Latour 1994:15)

A hipótese deste ensaio […] é que a palavra “moderno” designa dois conjuntos de práticas totalmente diferentes que, para permanecerem eficazes, devem permanecer distintas, mas que recentemente deixaram de sê-lo. O primeiro conjunto de práticas cria, por “tradução”, misturas entre gêneros de seres completamente novos, híbridos de natureza e cultura. O segundo cria, por “purificação”, duas zonas ontológicas inteiramente distintas, a dos humanos, de um lado, e a dos não-humanos, de outro. […] O primeiro conjunto corresponde àquilo que chamei de redes, o segundo ao que chamei de crítica. (Latour 1994:16)

Qual o laço existente entre o trabalho de tradução ou de mediação e o de purificação? Esta é a questão que eu gostaria de esclarecer. A hipótese […] é que a segunda possibilitou a primeira; quanto mais nos proibimos de pensar os híbridos, mais seu cruzamento se tornou possível; este é o paradoxo dos modernos (Latour 1994:16-7)

A segunda questão diz respeito aos pré-modernos, às outras naturezas-culturas. A hipótese […] é que, ao se dedicar a pensar os híbridos, eles não permitiram sua proliferação. É esta diferença que nos permitiria explicar a Grande Separação entre Nós e eles, e que permitiria resolver finalmente a insolúvel questão do relativismo. (Latour 1994:17)

A terceira questão diz respeito à crise atual: se a modernidade foi assim tão eficaz em seu trabalho de separação e de proliferação, por que ela está enfraquecendo hoje, nos impedindo de sermos modernos de fato? (Latour 1994:17)

Daí a última questão […]: se deixamos de ser modernos, se não podemos mais separar o trabalho de proliferação e o trabalho de purificação, o que iremos nos tornar? Como desejar as Luzes sem a modernidade? A hipótese […] é de que será preciso reduzir a marcha, curvar e regular a proliferação dos monstros através da representação oficial de sua existência. […] Uma democracia estendida às coisas? (Latour 1994:17)

:::::::::: II – CONSTITUIÇÃO :.

1. A CONSTITUIÇÃO MODERNA (p.19)

A modernidade é muitas vezes definida através do humanismo, seja para saudar o nascimento do homem, seja para anunciar sua morte. Mas o próprio hábito é moderno, uma vez que este continua sendo assimétrico. Esquece o nascimento conjunto da “não-humanidade” das coisas, dos objetos ou das bestas, e o nascimento, tão estranho quanto o primeiro, de um Deus suprimido, fora do jogo. A modernidade decorre da criação conjunta dos três, e depois da recuperação deste nascimento conjunto e do tratamento separado das três comunidades enquanto que, embaixo, os híbridos continuavam a multiplicar-se como uma consequência direta deste tratamento em separado. É esta dupla separação que precisamos reconstituir, entre o que está acima e o que está abaixo, de um lado, entre os humanos e os não-humanos, de outro. […] Do momento em que traçamos este espaço simétrico, reestabelecendo assim o entendimento comum que organiza a separação dos poderes naturais e políticos, deixamos de ser modernos. […] Damos o nome de constituição ao texto comum que define este acordo e esta separação. […] Como descrever esta Constituição? Escolhi concentrar-me sobre uma situação exemplar, no início de sua escrita, em pleno século XVII, quando Boyle, o cientista, e Hobbes, o cientista político, discutem entre si a respeito da repartição dos poderes científicos e políticos. (Latour 1994:19-21)

2. BOYLE E SEUS OBJETOS (p.21)

Boyle funda-se sobre uma metáfora parajurídica: testemunhas confiáveis, bem aventuradas e sinceras reunidas em torno da cena da ação podem atestar a existência de um fato, the matter of fact, mesmo se não conhecerem sua verdadeira natureza. Boyle inventou, assim, o estilo empírico que usamos até hoje […]. […] Ele não deseja a opinião dos cavalheiros, mas sim a observação de um fenômeno produzido artificialmente em um lugar fechado e protegido, o laboratório. (Latour 1994:23)

“Os fatos são feitos”, diria Bachelard. Mas seriam eles falsos por serem construídos pelo homem? Não, já que Boyle, assim como Hobbes, estende ao homem o “construtivismo” de Deus – Deus conhece as coisas porque ele as cria […]. Nós conhecemos a natureza dos fatos porque os elaboramos em circunstâncias perfeitamente controladas. […] Boyle transforma uma imperfeição – produzimos apenas matters of fact criados em laboratório, que só possuem valor local – em uma vantagem decisiva: estes fatos jamais serão mudados, aconteça o que acontecer em termos de teoria, de metafísica, de religião, de política ou de lógica. (Latour 1994:24)

3. HOBBES E SEUS SUJEITOS (p.24)

Hobbes quer negar todos os apelos a entidades ditas superiores à autoridade civil. […] Este é o construtivismo generalizado de Hobbes para pacificar as guerras civis: nenhuma transcendência, qualquer que seja ela, nem recurso a Deus, nem a uma matéria ativa, nem a um poder de direito divino, nem mesmo às idéias matemáticas. (Latour 1994:24-5)

Se for permitido que as experiências produzem suas matters of fact e se elas deixam o vácuo infiltrar-se na bomba de ar, e a partir daí, na filosofia natural, então a autoridade estará dividida (Latour 1994:26)

4. A MEDIAÇÃO DO LABORATÓRIO (p.26)

Shapin e Schaffer, assim como Hacking […], fazem, de forma quase etnográfica, aquilo que os filósofos da ciência não fazem mais: mostrar os fundamentos realistas das ciências. Mas, ao invés de falar da realidade exterior out there, eles fixam a realidade indiscutível da ciência, down here, no chão. (Latour 1994:27)

[V]ivemos em sociedades que têm por laço social os objetos fabricados em laboratório; substituímos as idéias pelas práticas, os raciocínios apodíticos pela doxa controlada, e o consenso universal por grupos de colegas. A boa ordem que Hobbes tentava reencontrar foi anulada pela multiplicação dos espaços privados nos quais é proclamada a origem transcendental de fatos que, apesar de fabricados pelo homem, não são de autoria de ninguém e que, conquanto não possuam uma causa, podem ser explicados.(Latour 1994:27)

5. O TESTEMUNHO DOS NÃO-HUMANOS (p.28)

Eis que intervém, na escrita de Boyle, um novo ator reconhecido pela nova Constituição: corpos inertes, incapazes de vontade e de preconceito, mas capazes de mostrar, de assinar, de escrever e de rabiscar sobre os instrumentos de laboratório testemunhos dignos de fé. Estes não-humanos, privados de alma, mas aos quais é atribuído um sentido, chegam a ser mais confiáveis que o comum dos mortais, aos quais é atribuída uma vontade, mas que não possuem a capacidade de indicar, de forma confiável, os fenômenos. (Latour 1994:29)

Ao seguirem a reprodução de cada protótipo de bomba de ar através da Europa e a transformação progressiva de um equipamento custoso, pouco confiável e atravancante em uma caixa preta de baixo custo, que aos poucos se torna um equipamento comum em todos os laboratórios, os autores trazem a aplicação universal de uma lei física de volta ao interior de uma rede de práticas padronizadas. […] Nenhuma ciência pode sair da rede de sua prática. (Latour 1994:30)

6. O ARTIFÍCIO DUPLO DO LABORATÓRIO E DO LEVIATÃ (p.30)
(Latour 1994:31, Figura 1)

Em certo sentido, Shapin e Schaffer deslocam para baixo o centro de referência tradicional da crítica. (Latour 1994:31)

7. REPRESENTAÇÃO CIENTÍFICA E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA (p.33)

[E]les [Hobbes e Boyle] inventaram nosso mundo moderno, um mundo no qual a representação das coisas através do laboratório encontra-se para sempre dissociada da representação dos cidadãos através do contrato social. […] São dois pais fundadores, agindo em conjunto para promover uma única e mesma inovação na teoria política: cabe à ciência a representação dos não-humanos, mas lhe é proibida qualquer possibilidade de apelo à política; cabe à política a representação dos cidadãos, mas lhe é proibida qualquer relação com os não-humanos produzidos e mobilizados pela ciência e pela tecnologia. […] Em seu debate, os descendentes de Hobbes e Boyle nos fornecem os recursos que usamos até hoje: de um lado, a força social, o poder; do outro, a força natural, o mecanismo. De um lado, o sujeito de direito; do outro, o objeto da ciência. Os porta-vozes políticos irão representar a multidão implicante e calculadora dos cidadãos; os porta-vozes científicos irão de agora em diante representar a multidão muda e material dos objetos. Os primeiros traduzem aqueles que os enviam, que não saberiam como falar todos ao mesmo tempo; os segundos traduzem aqueles que representam, que são mudos de nascimento. Os primeiros podem trair, os segundos também. No século XVII, a simetria ainda é visível, os porta-vozes ainda disputam entre si, acusando-se mutuamente de multiplicar as fontes de conflito. Basta apenas um pequeno esforço para que sua origem comum torne-se invisível, para que só haja um porta-voz do lado dos homens, para que a mediação dos cientistas torne-se invisível. Em breve a palavra “representação” tomará dois sentidos diferentes, dependendo de estarmos falando de eleitos ou de coisas. (Latour 1994:34-5)

8. AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DOS MODERNOS (p.35)
(Latour 1994:37, Figura 2)

[PRIMEIRO PARADOXO: A natureza nos transcende mas a sociedade nos é imanente. SEGUNDO PARADOXO: A sociedade nos transcende mas a natureza nos é imanente. GARANTIAS:] 1: ainda que sejamos nós que construímos a natureza, ela funciona como se nós não a construíssemos. […] 2: ainda que não sejamos nós que construímos a sociedade, ela funciona como se nós a construíssemos. […] 3: a natureza e a sociedade devem permanecer absolutamente distintas; o trabalho de purificação deve permanecer absolutamente distinto do trabalho de mediação. (Latour 1994:37 Figura 2)

É preciso confessar que é uma bela construção, que permite fazer tudo sem estar limitado por nada. Não é de se estranhar que esta Constituição tenha permitido, como se dizia outrora, “liberar algumas forças produtivas”… (Latour 1994:38)

9. A QUARTA GARANTIA: A DO DEUS SUPRIMIDO (p.38)

Ninguém é realmente moderno se não aceitar afastar Deus tanto do jogo das leis da natureza quanto das leis da República. Deus tornou-se o Deus suprimido da metafísica (Latour 1994:38)

Três vezes a transcendência e três vezes a imanência em uma tabela que fecha todas as possibilidades. Nós não criamos a natureza; nós criamos a sociedade; nós criamos a natureza; nós não criamos a sociedade; nós não criamos nem uma nem outra, Deus criou tudo; Deus não criou nada, nós criamos tudo. […] Usando três vezes seguidas a mesma alternância entre transcendência e imanência, é possível mobilizar a natureza, coisificar o social [e] sentir a presença espiritual de Deus[, e ainda assim defender] ferrenhamente […] que a natureza nos escapa, que a sociedade é nossa obra e que Deus não interfere mais. (Latour 1994:39)

10. A POTÊNCIA DA CRÍTICA (p.40)
(Latour 1994:42, Figura 3)

[SE a natureza é transcendente, ENTÃO nada podemos contra as leis naturais; SE a natureza é imanente, ENTÃO as possibilidades são ilimitadas; SE a sociedade é imanente, ENTÃO somos totalmente livres; SE a sociedade é transcendente, ENTÃO nada podemos contra as leis sociais.] (Latour 1994:42 Figura 3)

É nesta dupla linguagem que reside a potência crítica dos modernos: podem mobilizar a natureza no seio das relações sociais, ao mesmo tempo em que a mantêm infinitamente distante dos homens; são livres para construir e desconstruir sua sociedade, ao mesmo tempo em que tornam suas leis inevitáveis, necessárias e absolutas. (Latour 1994:43)

11. A INVENCIBILIDADE DOS MODERNOS (p.42)

Por crer na separação total dos humanos e dos não-humanos, e por simultaneamente anular esta separação, a Constituição tornou os modernos invencíveis. […] [À] esquerda, as coisas em si; à direita, a sociedade livre dos sujeitos falantes e pensantes. Tudo acontece no meio, tudo transita entre as duas, tudo ocorre por mediação, por tradução e por redes, mas este lugar não existe, não ocorre. É o impensado, o impensável dos modernos. […] Ao separar as relações de força de ordem política das relações de razões de ordem científica – mas sempre apoiando a razão sobre a força e a força sobre a razão – os modernos sempre tiveram duas cartas sob as mangas. Tornaram-se invencíveis. (Latour 1994:42-3)

12. O QUE A CONSTITUIÇÃO ESCLARECE E O QUE ELA OBSCURECE (p.44)

Os pré-modernos, por no fundo serem todos monistas na constituição de suas naturezas-culturas […], se proíbem […] de praticar aquilo que suas representações aparentemente permitiriam. […] Ao saturar com conceitos os mistos de divino, humano e natural, limitam a expansão prática destes mistos. É a impossibilidade de mudar a ordem social sem modificar a ordem natural – e inversamente – que obriga os pré-modernos, desde sempre, a ter uma grande prudência. (Latour 1994:46)

Os modernos, ao tornarem os mistos impensáveis, ao esvaziarem, varrerem, limparem, purificarem a arena traçada no meio de suas três instâncias, permitiram que a prática de mediação recombinasse todos os monstros possíveis sem que eles tivessem um efeito qualquer sobre a construção da sociedade, e nem mesmo contato com ela. Por mais estranhos que fossem, estes monstros não criavam nenhum problema, uma vez que não existiam socialmente e que suas consequências monstruosas permaneciam inimputáveis. Aquilo que os pré-modernos sempre proibiram a si mesmos, nós podemos nos permitir, já que nunca há uma correspondência direta entre a ordem social e a ordem natural. […] “Circulando, não há nada para ver”. A amplitude da mobilização é diretamente proporcional à impossibilidade de pensar diretamente suas relações com a ordem social. Quanto menos os modernos se pensam misturados, mais se misturam. Quanto mais a ciência é absolutamente pura, mais se encontra intimamente ligada à construção da sociedade. A Constituição moderna acelera ou facilita o desdobramento dos coletivos, mas não permite que sejam pensados. (Latour 1994:47)

13. O FIM DA DENÚNCIA (p.47)

Da mesma forma como a Constituição moderna despreza os híbridos que abriga, também a moral oficial despreza os consensos práticos e os objetos que a sustentam. Sob a oposição dos objetos e dos sujeitos, há o turbilhão dos mediadores. Sob a grandeza moral, há a triagem meticulosa das circunstâncias e dos casos. (Latour 1994:50)

14. JAMAIS FOMOS MODERNOS (p.50)

Não estamos entrando em uma nova era; não continuamos a fuga tresloucada dos pós-pós-pós-modernistas; não nos agarramos mais à vanguarda da vanguarda; não tentamos ser ainda mais espertos, ainda mais críticos, aprofundar mais um pouco a era da desconfiança. Não, percebemos que nunca entramos na era moderna. Esta atitude retrospectiva, que desdobra ao invés de desvelar, que acrescenta ao invés de amputar, que confraterniza ao invés de denunciar, eu a caracterizo através da expressão não moderno (ou amoderno). É um não moderno todo aquele que levar em conta ao mesmo tempo a Constituição dos modernos e os agrupamentos de híbridos que ela nega. […] Tanto os anti-modernos quanto os pós-modernos aceitaram o terreno de seus adversários. Um outro terreno, muito mais vasto, muito menos polêmico, encontra-se aberto para nós, o terreno dos mundos não modernos. É o Império do Centro, tão vasto quanto a China, tão desconhecido quanto ela. (Latour 1994:51-2)

:::::::::: III – REVOLUÇÃO :.

1. OS MODERNOS, VÍTIMAS DE SEU SUCESSO (p.53)

Digamos que os modernos foram vítimas de seu sucesso. […] A Constituição moderna desabou sob seu próprio peso, afogada pelos mistos cuja experimentação ela permitia, uma vez que ela dissimulava as consequências desta experimentação no fabrico da sociedade. […] Quando surgiam apenas algumas bombas de vácuo, ainda era possível classificá-las em dois arquivos, o das leis naturais e o das representações políticas, mas quando nos vemos invadidos por embriões congelados, sistemas especialistas, máquinas digitais, robôs munidos de sensores, milho híbrido, bancos de dados, psicotrópicos liberados de forma controlada, baleias equipadas com rádio-sondas, sintetizadores de genes, analisadores de audiência, etc.; quando nossos jornais diários desdobram todos estes monstros ao longo de páginas e páginas, e nenhuma destas quimeras sente-se confortável nem do lado dos objetos, nem do lado dos sujeitos, nem no meio, então é preciso fazer algo. É como se os dois pólos da Constituição acabassem se confundindo, devido à própria prática de mediação que esta Constituição liberava quando a condenava. É como se não houvesse mais um número suficiente de juízes e de críticos para tratar dos híbridos. O sistema de purificação fica tão entulhado quanto nosso sistema judiciário. (Latour 1994:53-4)

CITAÇÃO L-S (Latour 1994:54-5)

(Latour 1994:55, Figura 4)
2. O GRANDE DISTANCIAMENTO DAS FILOSOFIAS MODERNIZADORAS (p.56)

A distinção existente no século XVII [Boyle e Hobbes] torna-se uma separação no século XVIII [Kant], e depois uma contradição no século XIX [Hegel, dialética], completa a ponto de tornar-se a mola de toda a intriga. (Latour 1994:57)

(Latour 1994:58, Figura 5)
3. O FINAL DOS FINAIS (p.58)

Elas [teorias pré-pós-modernas] elevam aquilo que era apenas uma distinção, depois uma separação, depois uma contradição, depois uma tensão insuperável ao nível de uma incomensurabilidade.(Latour 1994:59)

Ocorre com os pré-pós-modernos [Habermas] o mesmo que ocorreu com a reação feudal bem no fim do Antigo Regime; nunca a hora foi tão minuciosa nem o cálculo dos quartos de sangue azul mais preciso, e no entanto já era um pouco tarde para separar radicalmente a plebe e os nobres! (Latour 1994:60)

É a dupla contradição que é moderna, contradição entre as duas garantias constitucionais, de um lado, e entre esta Constituição e a prática de mediação, de outro. (Latour 1994:61)

[V]oltemos atrás. Chega de passar. (Latour 1994:62)

(Latour 1994:62, Figura 6)
4. AS VERTENTES SEMIÓTICAS (p.62)

Desta vertente fundamental, aprendemos que o único meio de escapar às armadilhas simétricas da naturalização e da sociologização consiste em conceder à linguagem sua autonomia. Como desdobrar, sem ela, este espaço mediano entre as naturezas e as sociedades para nele acolher os quase-objetos, quase-sujeitos? As semióticas oferecem uma excelente caixa de ferramentas para seguir de perto as mediações da linguagem. Mas ao eludir o problema duplo das ligações com o referente e com o contexto, elas nos impedem de seguir os quase-objetos até o fim. Estes, como eu disse, são ao mesmo tempo reais, discursivos e sociais. Pertencem à natureza, ao coletivo e ao discurso. Se autonomizarmos o discurso, entregando para tanto a natureza aos epistemólogos e a sociedade aos sociólogos, tornamos impossível a conciliação dessas três fontes. (Latour 1994:64)

5. QUEM ESQUECEU O SER?(p.64)

Ninguém pode esquecer o ser [crítica a Heidegger], já que nunca houve mundo moderno e, por isso, nunca houve metafísica. (Latour 1994:66)

6. O INÍCIO DO TEMPO QUE PASSA (p.66)

A proliferação de quase-objetos foi, portanto, acolhida por três estratégias diferentes: primeiro, a separação cada vez maior entre o pólo da natureza – as coisas em si – e o pólo da sociedade ou so sujeito – os homens-entre-eles; segundo, a autonomização da linguagem ou do sentido; enfim, a desconstrução da metafísica ocidental. Quatro repertórios diferentes permitem que a crítica desenvolva seus ácidos: o da naturalização, o da sociologização, o da colocação em discurso e, enfim, o do esquecimento do Ser. (Latour 1994:66)

Os modernos têm a particularidade de compreender o tempo que passa como se ele realmente abolisse o passado antes dele. […] Já que tudo aquilo que acontece é para sempre eliminado, os modernos têm realmente a sensação de uma flecha irreversível do tempo, de uma capitalização, de um progresso. Mas como essa temporalidade é imposta a um regime temporal que corre de forma totalmente diversa, os sintomas de um desentendimento se multiplicam. […] Estaremos realmente tão distantes de nosso passado quanto desejamos crer? Não, já que a temporalidade moderna não tem muito efeito sobre a passagem do tempo. O passado permanece, ou mesmo retorna. E esta ressurgência é incompreensível para os modernos. Tratam-na então como o retorno do que foi recalcado. Fazem dela um arcaísmo. […] Se existe algo que somos incapazes de fazer, podemos vê-lo agora, é uma revolução, quer seja na ciência, na técnica, em política ou filosofia. Mas ainda somos modernos quando interpretamos este fato como uma decepção, como se o arcaísmo houvesse invadido tudo (Latour 1994:67-9)

7. O MILAGRE REVOLUCIONÁRIO (p.69)

Por que a Constituição moderna nos obriga a sentir o tempo como uma revolução que deve sempre ser recomeçada? Porque ela suprime as origens e os destinos dos objetos da Natureza e porque faz de sua súbita emergência um milagre. […] A gênese das inovações científicas ou técnicas só é tão misteriosa na Constituição moderna porque a transcendência universal de leis locais e fabricadas torna-se impensável, e deve permanecer assim sob pena de provocar um escândalo. […] A assimetria entre natureza e cultura torna-se então uma assimetria entre passado e futuro. O passado era a confusão entre as coisas e os homens; o futuro, aquilo que não os confundirá mais. A modernização consiste em sair sempre de uma idade de trevas que misturava as necessidades da sociedade com a verdade científica para entrar em uma nova idade que irá, finalmente, distinguir de forma clara entre aquilo que pertence à natureza intemporal e aquilo que vem dos humanos. O tempo moderno provém de uma superposição da diferença entre o passado e o futuro com esta outra diferença, mais importante, entre a mediação e a purificação. O presente é traçado por uma série de rupturas radicais, as revoluções, que formam engrenagens irreversíveis para impedir-nos, para sempre, de voltar atrás. (Latour 1994:69-71)

8. O FIM DO PASSADO ULTRAPASSADO (p.71)

A proliferação dos quase-objetos rompeu a temporalidade moderna, bem como sua Constituição. […] Ninguém mais pode classificar em um único grupo coerente os atores que fazem parte do “mesmo tempo”. (Latour 1994:72-3)

9. SELEÇÃO E TEMPOS MÚLTIPLOS (p.73)

É a seleção que faz o tempo, e não o tempo que faz a seleção. O modernismo – e seus corolários anti- e pós-modernos – era apenas uma seleção feita por alguns poucos em nome de muitos. Se mais e mais pessoas recuperarem a capacidade de selecionar, por conta própria, os elementos que fazem parte de nosso tempo, iremos reencontrar a liberdade de movimento que o modernismo nos negava, liberdade que na verdade jamais havíamos perdido. (Latour 1994:75)

10. UMA CONTRA-REVOLUÇÃO COPERNICANA (p.75)

[O] tempo nada tem a ver com a história. É a ligação entre os seres que constitui o tempo. É a ligação sistemática dos contemporâneos em um todo coerente que constituía o fluxo do tempo moderno. Agora que este fluxo laminar tornou-se turbulento, podemos abandonar as análises sobre o quadro vazio da temporalidade e retornar ao tempo que passa, quer dizer, aos seres e a suas relações, às redes construtoras de irreversibilidade e reversibilidade. (Latour 1994:76)

Ao invés de negar a existência dos híbridos – e de reconstituí-los desastradamente sob o nome de intermediários -, este modelo explicativo permite, pelo contrário, a integração do trabalho de purificação como um caso particular de mediação. (Latour 1994:77)

(Latour 1994:77, Figura 7)
(Latour 1994:77, Figura 8)

A revolução copernicana de Kant […] oferece o modelo completo das explicações modernizadoras, ao fazer com que o objeto gire em torno de um novo foro ao multiplicar os intermediários para anular aos poucos a distância. […] Ocorre, com esta inversão, o mesmo que com a Revolução francesa, que está ligada a ela; são excelentes instrumentos para tornar o tempo irreversível, mas não são, em si, irreversíveis. […] Não precisamos apoiar nossas explicações nestas duas formas puras, o objeto ou o sujeito-sociedade, já que elas são, ao contrário, resultados parciais e purificados da prática central, a única que nos interessa. (Latour 1994:78)

11. DOS INTERMEDIÁRIOS AOS MEDIADORES (p.78)

A natureza vai sair mudada do laboratório de Boyle, e também a sociedade inglesa, mas tanto Boyle quanto Hobbes irão mudar também. Tais metamorfoses são incompreensíveis se eternamente existirem apenas dois seres, natureza e sociedade, ou se a primeira permanece eterna enquanto a segunda é agitada pela história. Estas metamorfoses, no entanto, tornam-se explicáveis se redistribuirmos a essência por todos os seres que compõem esta história. Mas então eles deixam de ser simples intermediários mais ou menos fiéis. Tornam-se mediadores, ou seja, atores dotados da capacidade de traduzir aquilo que eles transportam, de redefini-lo, desdobrá-lo, e também de traí-lo. Os servos tornaram-se cidadãos livres. (Latour 1994:80)

12. DA COISA-EM-SI AO QUESTIONAMENTO (p.81)

[N]ão vivemos em uma sociedade que seria moderna porque, contrariamente a todas as outras, estaria enfim livre do inferno das relações coletivas, do obscurantismo da religião, da tirania da política, mas porque, da mesma forma que todas as outras, redistribui as acusações, substituindo uma causa – judiciária, coletiva, social – por uma causa – científica, não social, matter-of-factual.(Latour 1994:83)

13. ONTOLOGIAS DE GEOMETRIA VARIÁVEL (p.84)
(Latour 1994:85, Figura 9)

O grau de estabilização – a latitude – é tão importante quanto a posição sobre a linha que vai do natural ao social – a longitude. […] A ontologia dos mediadores, portanto, possui uma geometria variável. O que Sartre dizia dos humanos, que sua existência precede sua essência, é válido para todos os actantes, a elasticidade do ar, a sociedade, a matéria e a consciência. […] A essência do vácuo é a trajetória que liga todas elas [todas as posições de latitude e longitude pelas quais ele passa]. Em outras palavras, a elasticidade do ar possui uma história. Cada um dos actantes possui uma assinatura única no espaço desdobrado por esta trajetória. Para traçá-los, não precisamos construir nenhuma hipótese sobre a essência da natureza ou da sociedade. (Latour 1994:85)

A dupla transcendência da natureza, de um lado, e da sociedade, do outro, corresponde às essências estabilizadas. Em compensação, a imanência das naturezas-naturantes e dos coletivos corresponde a uma mesma e única região, a da instabilidade dos eventos, a do trabalho de mediação. (Latour 1994:86)

14. LIGAR OS QUATRO REPERTÓRIOS MODERNOS (p.87)

Reais como a natureza, narrados como o discurso, coletivos como a sociedade, existenciais como o Ser, tais são os quase-objetos que os modernos fizeram proliferar, e é assim que nos convém segui-los, tornando-nos simplesmente aquilo que jamais deixamos de ser, ou seja, não-modernos. (Latour 1994:89)

:::::::::: IV – RELATIVISMO :.

1. COMO ACABAR COM A ASSIMETRIA? (p.91)

Para que [a Antropologia] se torne comparativa e possa ir e vir entre os modernos e os não-modernos, é preciso torná-la simétrica. Para tanto, deve tornar-se capaz de enfrentar não as crenças que não nos tocam diretamente – somos sempre bastante críticos frente a elas – mas sim os conhecimentos aos quais aderimos totalmente. É preciso torná-la capaz de estudar as ciências, ultrapassando os limites da sociologia do conhecimento e, sobretudo, da epistemologia. [.. Este é o primeiro princípio de simetria, que abalou os estudos sobre as ciências e as técnicas, ao exigir que o erro e a verdade fossem tratados da mesma forma (Bloor, 1982). (Latour 1994:91)

O falso é aquilo que dá valor ao verdadeiro. (Latour 1994:92)

2. O PRINCÍPIO DA SIMETRIA GENERALIZADA (p.93)
(Latour 1994:94, Figura 10)

No entanto, o princípio de simetria definido por Bloor nos leva rapidamente a um impasse (Latour, 1991). […] Ao invés de explicar o verdadeiro através da adequação com a realidade natural, e o falso através da restrição das categorias sociais, das epistemes, ou dos interesses, este principio tenta explicar tanto o verdadeiro quanto o falso usando as mesmas categorias, as mesmas epistemes e os mesmos interesses. É portanto assimétrico, não mais porque divide, como o fazem os epistemólogos, a ideologia e a ciência, mas porque coloca a natureza [95] entre parênteses,jogando todo o peso das explicações apenas sobre o pólo da sociedade. (Latour 1994:94-5)

[É] preciso compreender ao mesmo tempo como a natureza e a sociedade são imanentes – no trabalho de mediação – e transcendentes – após o trabalho de purificação. (Latour 1994:)

Para que a antropologia se torne simétrica, portanto, não basta que acoplemos a ela o primeiro princípio de simetria – que só dá cabo das injustiças mais óbvias da epistemologia. É preciso que a antropologia absorva aquilo que Michel Callon chama de principio de simetria generalizada: o antropólogo deve estar situado no ponto médio, de onde pode acompanhar, ao mesmo tempo, a atribuição de propriedades não humanas e de propriedades humanas (CalIon, 1986). (Latour 1994:)

3. A IMPORTAÇÃO-EXPORTAÇÃO DAS DUAS GRANDES DIVISÕES (p.96)

Porque o Ocidente se pensa assim? Porque justamente ele, e apenas ele, seria algo mais que uma cultura? Para compreender a profundidade desta Grande Divisão entre Eles e Nós, e preciso retornar a esta outra Grande Divisão entre os humanos e os não-humanos que defini anteriormente. De fato, o primeiro é a exportação do segundo. Nos, ocidentais, não podemos ser apenas mais uma cultura entre outras porque mobilizamos também a natureza. Não mais, como fazem as outras sociedades, uma imagem ou representação simbólica da natureza, mas a natureza como ela [97] é, ou ao menos tal como as ciências a conhecem, ciências que permanecem na retaguarda, impossíveis de serem estudadas, jamais estudadas. (Latour 1994:96-7)

Lévi-Strauss, este advogado generoso, não consegue imaginar outras circunstâncias atenuantes que não a de assemelhar seu cliente às ciências exatas! […] Como afogar melhor aqueles cujas cabeças desejávamos salvar? (Latour 1994:98)

(Latour 1994:98, Figura 11)

A Grande Divisão interior explica, portanto, a Grande Divisão exterior: apenas nós diferenciamos de forma absoluta entre a natureza e a cultura, entre a ciência e a sociedade, enquanto que todos os outros, sejam eles chineses ou ameríndios, zandés au barouyas, não podem separar de fato aquilo que é conhecimento do que é sociedade, o que é signo do que é coisa, o que vem da natureza como ela realmente é daquilo que suas culturas requerem. […] A partição interior dos não-humanos define uma segunda partição, desta vez externa, através da qual os modernos são separados dos pré-modernos. Nas culturas Deles, a natureza e a sociedade, os signos e as coisas são quase coextensivos. Em Nossa cultura, ninguém mais deve poder misturar as preocupações sociais e o acesso às coisas em si. (Latour 1994:99)

4. A ANTROPOLOGIA VOLTA DOS TRÓPICOS (p.99)

É portanto preciso contornar as duas Divisões ao mesmo tempo, não acreditando nem na distinção radical dos humanos e dos não-humanos em nossa sociedade, nem na superposição total do saber e das sociedades nas outras. (Latour 1994:100)

A peculiaridade dos ocidentais foi a de ter imposto, através da Constituição, a separação total dos humanos e dos não-humanos – Grande Divisão interior – tendo assim criado artificialmente o choque dos outros. “Como alguém pode ser persa?” Como é possível que alguém não veja uma diferença radical entre a natureza universal e a cultura relativa? Mas a própria noção de cultura é um artefato criado por nosso afastamento da natureza. Ora, não existem nem culturas – diferentes ou universais – nem uma natureza universal. Existem apenas naturezas-culturas, as quais constituem a única base possível para comparações. A partir do momento em que levamos em conta tanto as práticas de mediação quanto as práticas de purificação, percebemos que nem bem os modernos separam os humanos dos não-humanos nem bem os “outros” superpõem totalmente os signos e as coisas (Guille-Escuret, 1989).
(Latour 1994:102)

Figura 12 (Latour 1994:103)

Todas as naturezas-culturas são similares por construírem ao mesmo tempo os seres humanos, divinos e não-humanos. […] Todas distribuem aquilo que receberá uma carga de símbolos e aquilo que não receberá (Claverie, 1990). Se existe uma coisa que todos fazemos da mesma forma é construir ao mesmo tempo nossos coletivos humanos e os não-humanos que os cercam. (Latour 1994:104)

O objetivo do princípio de simetria não é apenas o de estabelecer a igualdade – esta é apenas o meio de regular a balança no ponto zero – mas também o de gravar as diferenças, ou seja, no fim das contas, as assimetrias, e o de compreender os meios práticos que permitem aos coletivos dominarem outros coletivos. Ainda que sejam semelhantes pela coprodução, todos os coletivos diferem pelo tamanho. (Latour 1994:105)

Tod0S os coletivos se parecem, a nao ser por sua dimensao, assim como as volutas sucessivas de uma espiral. Que sejam necessarios ancestrais e estrelas fixas em urn dos cfrculos, ou genes e quasares em outro, mais excentrico, isto pode ser explicado pela dimensao dos coletivos em questa-o. Um numero muito maior de objetos exige muito mais sujeitos. Muito mais subjetividade requer muito mais ob;etividade. Se desejamos Hobbes e seus descendentes, precisamos de Boyle e de seus descendentes. Se desejamos 0 Leviata, precisamos da bomba de vacuo. Eisto que permite respeitar ao” mesmo tempo as diferen~as (as vo- lutas tern, de fato, dimensoes diferentes) e as semelhan”as (todos os cole- tivos misturam da mesma forma as entidades humanas e nao-humanas). (Latour 1994:106)

As ciencias e as tecnicas nao sao notaveis par serern verdadeiras ou
eficazes – estas propriedades lhes sao fornecidas por acrescirno e por ra- zoes outras que nao as dos epistem610gos (Latour, 1989a) – , mas sim porque multiplicam os nao-humanos envolvidos na constru~aodos cole- tivos e porque tornam mais intima a comunidade que formamos com es- tes seres. Ea extensao da espiral, a amplitude dos envolvimentos que ira suscitar, a distancia cada vez maior onde ira recrutar estes seres que ca- racterizam as ciencias modernas e nao algum corte epistemol6gico que romperia de uma vez por todas com seu passado pre-cientffico. Os sabe- res e as podere’s modernos nao sao diferentes porque escapam atirania do social, maS porque acrescentam muito mais hibridos a fim de recompor 0 la~o social e de aumentar ainda mais sua escala. Nao apenas a “bomba de vacuo, mas tambem os micr6bios, a eletricidade, os atomos, as estrelas, as equa~6es de segundo grau~ os automatos e os robos, os moinhos e os [107] pistoes, 0 inconsciente e as neurotransmissores. A cada vez uma nova tra- d~~~ode quase-objetos reinicia a redefini~aodo corpo s~cial,tanto dos SUJeltos quanta dos objetos. (Latour 1994:106-7)

(Latour 1994:)

5. NÃO EXISTEM CULTURAS (p.101)

(Latour 1994:)

(Latour 1994:103, Figura 12)
6. DIFERENÇAS DE TAMANHO (p.104)

(Latour 1994:)

7. O GOLPE DE ARQUIMEDES (p.107)

(Latour 1994:)

8. RELATIVISMO ABSOLUTO E RELATIVISMO RELATIVISTA (p.109)

(Latour 1994:)

9. PEQUENOS ENGANOS SOBRE O DESENCANTO DO MUNDO (p.112)

(Latour 1994:)

10. MESMO UMA REDE AMPLA CONTINUA A SER LOCAL EM TODOS OS PONTOS (p.114)

(Latour 1994:)

11. O LEVIATÃ É UM NOVELO DE REDES (p.118)

(Latour 1994:)

12. O GOSTO DAS MARGENS (p.120)

(Latour 1994:)

(Latour 1994:121, Figura 13)
13. NÃO ACRESCENTAR NOVOS CRIMES AOS QUE JÁ FORAM COMETIDOS (p.123)

(Latour 1994:)

14. TRANSCENDÊNCIAS ABUNDANTES (p.125)

(Latour 1994:)

:::::::::: V – REDISTRIBUIÇÃO :.

1. A MODERNIZAÇÃO IMPOSSÍVEL (p.129)

(Latour 1994:)

2. EXAMES DE ACEITAÇÃO (p.131)

(Latour 1994:)

(Latour 1994:139, Figura 14)
3. O HUMANISMO REDISTRIBUÍDO (p.134)

(Latour 1994:)

4. A CONSTITUIÇÃO NÃO MODERNA (p.137)

(Latour 1994:)

(Latour 1994:139, Figura 15)
5. O PARLAMENTO DAS COISAS (p.140)

(Latour 1994:)

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