Ouro em Lévi-Strauss (2008 [1958])

A resposta é simples demais. Entre as grandes civilizações do planalto e os bárbaros do cerrado certamente houve contato: intercâmbios comerciais, reconhecimentos militares, escaramuças de fronteira. Os indígenas do Chaco sabiam da existência dos Inca e descreviam para os primeiros viajantes, por ouvirem dizer, seu prestigioso reino. Orellana encontrou objetos de ouro no médio Amazonas, e machados de metal de proveniência peruana foram desenterrados até no litoral de São Paulo. Contudo, o ritmo extremamente acelerado de expansão e declínio das civilizações andinas não pode ter permitido mais do que encontros esporádicos e de curta duração. Por outro lado, a organização social dos Astecas e dos Incas chegou até nós por intermédio de descrições de conquistadores encantados com a própria descoberta, com um caráter sistemático que certamente não possuíam. Em ambos os casos, estamos diante do encontro efêmero de culturas muito diversas, em muitos casos bastante antigas e heterogêneas. O fato de uma determinada tribo entre tantas outras ter ocupado temporariamente um lugar proeminente não basta para nos levar à conclusão de que seus costumes específicos foram adotados em toda a extensão do território sobre o qual exerceu sua influência, ainda que seus dignitários tivessem interesse [157] em difundir tal ficção, sobretudo junto aos recém-chegados europeus. Nem no Peru nem no México, jamais se tratou verdadeiramente de um império, cujo modelo os povos colonizados, clientes ou simplesmente testemunhas deslumbradas, teriam buscado reproduzir com seus humildes meios. As analogias entre altas e baixas culturas decorrem de razões mais profundas. (Lévi-Strauss 2012 [1958]:156-7)

Começaremos pelo caso dos futuros professores de antropologia. Para além da questão dos títulos universitários exigidos para a docência (em geral, doutorado ou trabalho de nível equivalente), ninguém deveria pretender ensinar antropologia sem ter realizado ao menos uma pesquisa considerável de campo. Forneceremos mais adiante a justificativa teórica dessa exigência, que pode parecer exorbitante, mas não é. Convém acabar, de uma vez por todas, com a ilusão de que se pode ensinar a antropologia no gabinete, com o auxílio de uma edição completa (mais comumente, uma reduzida) do Ramo de ouro ou outras compilações, quaisquer que sejam seus méritos intrínsecos. Aos que porventura invocassem, contra essa cláusula, o caso de especialistas ilustres que jamais foram a campo (afinal, Sir James Frazer respondia aos que lhe faziam essa pergunta: “Deus me livre!”…), lembraremos que LévyBruhl, por exemplo, jamais ocupou uma cadeira de antropologia ou com título equivalente (não existia nenhuma nas universidades francesas em sua época), e sim uma cadeira de filosofia. Nada impede que, no futuro, sejam atribuídas a teóricos puros cadeiras pertencentes a disciplinas vizinhas da antropologia, como história das religiões, sociologia comparada ou outras. Mas o ensino da antropologia deve ser reservado às testemunhas. Tal atitude nada tem de audaciosa. Na verdade, é respeitada de fato (embora nem sempre de direito) em todos os países em que a antropologia atingiu um certo desenvolvimento. (Lévi-Strauss 2012 [1958]:527)

LÉVI-STRAUSS, Claude. 2012 [1958]. Antropologia estrutural. (Trad.: Beatriz Perrone-Moisés). São Paulo: Cosac Naify.