Alumínio em Deleuze e Guattari (1997 [1980])

Num primeiro sentido, não existe a máquina abstrata, nem máquinas abstratas que seriam como Ideias platônicas, transcendentes e universais, eternas. As máquinas abstratas operam em agenciamentos concretos: definem-se pelo quarto aspecto dos agenciamentos, isto é, pelas pontas de descodificação e de desterritorialização. Traçam essas pontas; assim, abrem o agenciamento territorial para outra coisa, para agenciamentos de um outro tipo, para o molecular, o cósmico, e constituem devires. Portanto, são sempre singulares e imanentes. Contrariamente ao que se passa nos estratos, e também nos agenciamentos considerados sob seus outros aspectos, as máquinas abstratas ignoram as formas e as substâncias. Por isso são abstratas, mas também é esse o sentido rigoroso do conceito de máquina. As máquinas excedem toda mecânica. Opõem-se ao abstrato no seu sentido ordinário. As máquinas abstratas consistem em matérias não formadas e funções não formais. Cada máquina abstrata é um conjunto consolidado de matérias-funções (phylum e diagrama). Isto se vê claramente num “plano” tecnológico: um tal plano não é composto simplesmente por substâncias formadas, alumínio, plástico, fio elétrico, etc, nem por formas organizadoras, programa, protótipos, etc, mas por um conjunto de matérias não formadas que só apresentam graus de intensidade (resistência, condutibilidade, aquecimento, estiramento, velocidade ou retardamento, indução, transdução…), e funções diagramáticas que só apresentam equações diferenciais ou, mais geralmente, “tensores”. Certamente, no seio das dimensões do agenciamento, a máquina abstrata ou máquinas abstratas efetuam-se em formas e substâncias, com estados de liberdade variáveis. Mas foi preciso, simultaneamente, que a máquina abstrata se componha e componha um plano de consistência. Abstratas, singulares e criativas, aqui e agora, reais embora não concretas, atuais ainda que não efetuadas; por isso, as máquinas abstratas são datadas e nomeadas (máquina abstrata-Einstein, máquina abstrata-Webern, mas também Galileu, Bach ou Beethoven, etc). Não que remetam a pessoas ou a momentos efetuantes; ao contrário, são os nomes e as datas que remetem às singularidades das máquinas, e a seu efetuado. (Deleuze e Guattari 1997 [1980]:227-8)

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. 1997 [1980]. Conclusão – regras concretas e máquinas abstratas. (Trad.: Peter P. Pelbart) In: Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. Volume 5. Rio de Janeiro: Editora 34, pp.215-32.