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Ciência moderna (Merleau-Ponty 1957)

Ciência moderna (Merleau-Ponty 1957)

MERLEAU-PONTY, Maurice. 2000. A ciência moderna e a idéia de natureza. In: A Natureza: curso do Collège de France. (trad. Álvaro Cabral) São Paulo: Martins Fontes, pp.131-81. [1956-60]

FINALISMO (o natural artificial), MECANICISMO (o artificial natural) e FILOSOFIA (o artificial frente ao natural):

O pensamento finalista tem necessidade do mecanicismo para rechaçar a hipervitalidade. Do mesmo modo, o mecanicismo, que identifica máquina e organismo, subentende o construtor que regula a máquina. O mecanicismo afirma um artificial natural e o finalismo afirma um natural artificial. A filosofia, ao contrário, é uma vontade de confrontar o artifício humano com o seu exterior, com a Natureza. (Merleau-Ponty 2000:136)

CIÊNCIA como SELEÇÃO:

Não se tem certamente que pedir à ciência uma nova concepção da Natureza, pronta e acabada, mas encontramos nela com o que eliminar as falsas concepções da Natureza. (Merleau-Ponty 2000:137)

CIBERNÉTICA, NATUREZA e ARTIFÍCIO:

Não é possível falar da Natureza sem falar da cibernética. Talvez isso não seja mais do que um ultrafinalismo sem mecanismo; mas não podemos pensar a Natureza sem nos darmos conta de que a nossa idéia da Natureza está impregnada de artifício. (Merleau-Ponty 2000:138)

A CIÊNCIA MODERNA ESQUECE SUA METAFÍSICA (o caso do organismo):

É isso que é simultaneamente excitante e exasperador no cientista: ele procura pontos de apoio de que se possa valer para apreender o fenômeno, mas não busca compreendê-lo. Assim, por exemplo, em embriologia, os cientistas entrevêem uma filosofia da vida, mas esquecem o que descobriram. […] Tudo se passa como se, quando se produz uma seção [no organismo], o que remanesce vai resignar-se a considerar a situação, a fazer de um dois ou de dois um, como se houvesse imanência do todo nas partes. Mas o cientista ocupa-se pouco em fazer a “filosofia do organismo”. […] [O] cientista, a partir do momento em que possui os seus desencadeadores, não formula mais problemas, esquece que lhe cumpre explicar a ação do todo sobre as partes, e isso porque realizou o todo e pode agir sobre este. (Merleau-Ponty 2000:138-9)

VER (filosofia) e INTERVIR (ciência):

A preocupação do filósofo é ver; a do cientista é encontrar pontos de apoio para explicar o fenômeno. O seu pensamento não é dirigido pela preocupação de ver, mas de intervir. Quer escapar ao atoleiro do ver filosófico. Por isso trabalha frequentemente como um cego, por analogia. Conseguiu uma boa solução? Ele trata de experimentá-la numa outra coisa, porque teve êxito na primeira. O cientista tem a superstição dos meios que são bem sucedidos. Mas nessa tentativa para assegurar-se de um ponto de apoio, o cientista desvenda mais do que, de fato, vê. O filósofo deve ver nas costas do físico o que este não vê por si mesmo. (Merleau-Ponty 2000:139)

O ABSOLUTO RELATIVO na LINGUAGEM:

O Absoluto na linguagem não é um absoluto imediato. Se a linguagem deve ser a alma do Absoluto, ela deve ser absoluta no relativo. (Merleau-Ponty 2000:139)

OS TRÊS PROBLEMAS da CONCEPÇÃO de LAPLACE:

Este pensamento afirma: […] 1) Um causalismo […]. No fundo, essa concepção é uma afirmação teológica, é a afirmação de uma visão da totalidade capaz de abranger toda a evolução do mundo. […] 2) Uma concepção analítica do Ser […]. Esta é a idéia cartesiana da decomposição do complexo em simples, que exclui toda consideração da composição como realidade original. […] 3) Uma concepção espacial do ser natural […]. O que exclui a idéia de um ser em devir, em mudança (Merleau-Ponty 2000:143)

A QUESTÃO QUE TODO SOCIÓLOGO DEVERIA FAZER:

O que se pode dizer de sério quando não se é técnico? (Merleau-Ponty 2000:143)

METAFÍSICA como o SENTIDO da FÍSICA:

Pode a física fornecer uma imagem da realidade? […] É nessa junção do universo do cientista e do universo da linguagem que cupre examinar a mecânica quântica, no momento em que o cientista-filósofo procura dar um sentido ao seu formalismo. […] [O] que contará para nós é o aparecimento de uma nova ontologia científica (Merleau-Ponty 2000:144)

ZENÃO e FÍSICA QUÂNTICA:

Os problemas formulados pela mecânica ondulatória à lógica são bastante comparáveis àqueles apresentados pelo problema de Zenão. […] Da mesma maneira, o pensamento clássico só quer considerar determinações positivas, compô-las numa realidade única. Ora, a mecânica ondulatória afirma a impossibilidade de compô-las numa realidade pré-formada e completamente acessível, assim como é impossível para Zenão formar o movimento a paritr de pontos. (Merleau-Ponty 2000:148)

A FUNÇÃO Ψ (x, y, z):

A razão desse esforço em direção a uma nova lógica tem a ver com a nova relação estabelecida entre a coisa observada e a medida. (Merleau-Ponty 2000:149)

O APARELHO:

Para os clássicos, o aparelho é o prolongamento dos nossos sentidos. Do ponto de vista gnoseológico, os aparelhos são comparados a uma sensorialidade mais precisa, eles nos fazem conhecer o estado de uma coisa. […] O aparelhos [em mecânica ondulatória] não nos apresenta o objeto. (Merleau-Ponty 2000:150)

VAI TER SIDO:

Não se pode dizer em que momento é tomada a decisão: ela está sempre para ser tomada ou já foi tomada. ela vai ter sido. A última gota de água opera muito mais que as outras gotas de água: ela opera uma reorganização de todo o conjunto. É assim que se conhece, em todos os modelos do conhecimento. (Merleau-Ponty 2000:153)

REALISMO QUÂNTICO:

O pensamento clássico coordena os fenômenos num modelo objetivo da Natureza. É essa unificação que nos parece impossível no nível da mecânica quântica. Se uma filosofia puder corresponder à mecânica quântica, será uma filosofia mais realista, cuja verdade não será definida em termos transcendentais, e também mais subjetivista. Ao “eu penso” universal da filosofia transcendental deve suceder o aspecto situado e encarnado do físico. (Merleau-Ponty 2000:156)

REALIDADE QUÂNTICA e CONHECIMENTO:

Sabemos que um processo deve ser observado para ser conhecido e que essa observação o muda em sua essência. Nós o sabemos pelas dificuldades da auto-observação, na qual o sujeito do conhecimento torna-se seu objeto (Bohr).” (Weizsäcker, in: Merleau-Ponty 2000:157)

ATITUDE ISOLANTE x ATITUDE NATURAL:

Cumpre distinguir assim a percepção como atitude isolante, tal como pode ensiná-la o professor de desenho, que faz com que eu dê a cada coisa uma grandeza numerável, e a percepção como atitude natural, na qual semelhante operação é impossível. No campo natural, vou encontrar seres ambíguos, que não são nem ondas nem corpúsculos. O que é o vento percebido? Alguém, uma coisa, um fenômeno? É as três coisas ao mesmo tempo: uma sequência de movimentos sem móveis, de comportamentos sem sujeitos, como a cauda do cometa ou a estrela cadente (Husserl), isto é, seres prováveis que se reduzem a um feixe de probabilidades […], seres não determinados, sem que essa indeterminação os converta em quaisquer […], seres negativos, dos quais toda a essência consiste em ser uma ausência […], seres nem finitos nem infinitos. (Merleau-Ponty 2000:160)

A TAREFA NEGATIVA DA CIÊNCIA:

Se tudo isso é verdadeiro, percebe-se que o sentido da física é o de nos fazer realizar “descobertas filosóficas negativas” ao mostrar que “certas afirmações que pretendem ter validade filosófica na verdade não a têm” [London e Bauer]. Ela nos ensina que a concepção laplaciana do Ser, assim como a ontologia do senso comum, não possui coerência absoluta. A física destrói certos preconceitos do pensamento filosófico e do pensamento não-filosófico, sem que por isso seja uma filosofia. Ela limita-se a inventar vieses para encobrir a carência dos conceitos tradicionais, mas não formula conceitos legítimos. Provoca a filosofia, impele-a a pensar os conceitos válidos na situação que é a sua. O que não quer dizer que a percepção contém tudo. É a crítica interna da física que nos leva a tomar consciência do mundo percebido. […] A mediação do saber permite-nos reencontrar indiretamente e de um modo negativo o mundo percebido que as idealizações anteriores nos tinham feito esquecer. (Merleau-Ponty 2000:161)

A ciência pode fazer somente “descobertas filosóficas negativas” [London e Bauer], dizer-nos o que o espaço não é, o que o tempo não é, mas sob a condição de que se compreenda que essas negações não devem ser tomadas como afirmações disfarçadas. A ciência não fornece ontologia, mesmo sob forma negativa. Ela tem somente o poder de destituir as pseudo-evidências de seu pretenso caráter de evidência. (Merleau-Ponty 2000:171)

ESPAÇO EUCLIDIANO:

O espaço euclidiano não pode ser considerado uma condição a priori de nossa ciência e de nossa experiência. Não é uma estrutura de direito. Os geômetras não-euclidianos, ao generalizarem a noção de espaço, fazem do espaço euclidiano um caso particular. (Merleau-Ponty 2000:163)

A NATUREZA e o SENTIDO do ESPAÇO:

A própria questão da natureza do espaço não tem sentido. (Merleau-Ponty 2000:163)

Colocar a questão da natureza em si do espaço é admitir um kosmos théoros [contemplador do mundo]. A questão não se põe no caso dos seres vivos, pois não tem sentido: o espaço faz parte da situação; ora, um espaço de situação não é um espaço em si. (Merleau-Ponty 2000:166)

PLANOLÂNCIA (citando H.Reichenbach, Atome et cosmos):

(Merleau-Ponty 2000:164-5)

O artifício de Reichenbach é enganador, uma vez que ele representa por três dimensões um espaço que tem somente duas. Na medida em que sua analogia é transcrita em linguagem euclidiana, ela corre o risco, justamente por essa razão, de nos enganar. Segundo tais analogias, imaginamos que o espaço não-euclidiano está presente aos sentidos de um ser vivo, que se pode ver em duas dimensões assim como nós vemos em três dimensões. (Merleau-Ponty 2000:166)

O ESPAÇO NÃO É ALGO, mas PODE SER PARAMETRADO:

O espaço não é algo. As diferentes geometrias são métricas, e as métricas não são nem verdadeiras nem falsas e, por conseguinte, os resultados dessas diferentes métricas não são alternativas. […] [O]s resultados da teoria da relatividade, se confirmam a objetividade do espaço riemaniano, não nos autorizam a dizer que o espaço é riemaniano. Trata-se de “parametrar” e nada mais que isso. (Merleau-Ponty 2000:166-7)

PERCEPÇÃO, SER e CIÊNCIA:

O campo perceptivo nos oferece o primeiro modelo do Ser sobre o qual a ciência trabalha a fim de dar uma visão articulada do Ser. (Merleau-Ponty 2000:170)

A NATUREZA INDEXICAL E ARTIFICIAL da CIÊNCIA:

A ciência é um conjunto rigoroso de elementos construídos, que não podemos separar do todo que o justifica. (Merleau-Ponty 2000:172)

TEMPO e PERSPECTIVISMO:

O fenômeno da pluralidade de tempos é um fenômeno de perspectiva. A concepção do físico relativista é uma concepção egocêntrica. Pensa numa situação e dá-nos a representação que se pode fazer das outras situações a partir daquela, sendo entendido que a situação estacionária é uma qualquer. Ele prefere multiplicar as visões egocêntricas sucessivas a operar a coexistência filosófica do tempo dos diferentes observadores. Através das equações, atinge um solipsismo de vários. Pensa o mundo sucessivamente de todos os pontos de vista, mas nunca simultaneamente de todos os pontos de vista. O que o filósofo procura são as condições de possibilidade de uma tal equação. O filósofo parte da relatividade inerente a cada observador e pergunta-se como é possível uma intersubjetividade, como surgiu essa idéia de coexistência; procura destacar o sentido profundo de nossa situação singular e de nossa pertença a um mesmo mundo. Trata-se de justificar o pensamento físico por outras razões que não as suas próprias e de dar significações ontológicas para as dificuldades práticas com que o cientista se defronta, de compreendê-lo melhor do que ele próprio se compreende, sendo próprio do filósofo compreender melhor do que aqueles que fazem aquilo o que eles fazem. (Merleau-Ponty 2000:176-7)

FILOSOFIA DA CIÊNCIA:

Por que não admitir que a física, por mais objetiva que seja, pode ser altamente significativa para a filosofia? Como Bergson mostra em sua Introdução à metafísica, por trás da autoridade da ciência, há todo o halo da ciência entregue ao seu trabalho, e essa atmosfera está repleta de filosofia. (Merleau-Ponty 2000:179)

RELATIVIDADE e SENSO COMUM:

O resultado da Relatividade não está em suas formulações exotéricas. Não se trata de destruir as idéias do senso comum, mas de as tornar mais precisas. (Merleau-Ponty 2000:181)

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