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As regras do método sociológico (Durkheim 1895)

As regras do método sociológico (Durkheim 1895)

Anotações de leitura e estudo de trechos selecionados do livro As regras do método sociológico (Trad. Paulo Neves; São Paulo: Martins Fontes, 1995 [1895]), de Émile Durkheim, por Pedro P. Ferreira.

:::::::::: PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO [1895] :.

  • DURKHEIM PROPÕE “tratar os fatos sociais cientificamente”, “uma ciência das sociedades”, “pesquisas […] metodicamente conduzidas”, EM OPOSIÇÃO A “uma simples paráfrase dos preconceitos tradicionais”, “as coisas […] como as vê o vulgo [= “senso comum”]”, POIS “pois o objeto de toda ciência é fazer descobertas, e toda descoberta desconcerta mais ou menos as opiniões aceitas”. (Durkheim 1995:XI)
  • FÉ NA CIÊNCIA: “não se intimidar com os resultados de suas pesquisas [“imposto[s] pelos fatos”], se estas foram metodicamente conduzidas”. (Durkheim 1995:XI)
  • O MÉTODO CONTRA os LAPSOS DO SENSO COMUM (que julga sem compreender): Ainda estamos por demais acostumados a […] sugestões do senso comum para que possamos facilmente mantê-lo à distância das discussões sociológicas. Quando nos cremos livres dele, ele nos impõe seus julgamentos sem que o percebamos. Somente uma prática longa e especial é capaz de prevenir semelhantes lapsos. Eis o que pedimos ao leitor para não perder de vista. Que tenha sempre presente no espírito que suas maneiras de pensar mais costumeiras são antes contrárias do que favoráveis ao estudo científico dos fenômenos sociais e, por conseguinte, que se acautele contra suas primeiras impressões. Se se entregar a elas sem resistência, arrisca-se a julgar-nos sem nos haver compreendido.” (Durkheim 1995:XII)
  • O SENSO COMUM NÃO COMPREENDE A FUNÇÃO DO CRIME (normal/saudável APENAS SE odiado/reprimido): “partindo do fato de que o crime é detestado e detestável, o senso comum conclui erradamente que ele deveria desaparecer por completo. Com seu simplismo costumeiro, não concebe que uma coisa que repugna possa ter uma razão de ser útil. No entanto, não há nenhuma contradição nisso. […] O caráter normal de uma coisa e os sentimentos de aversão que ela inspira podem inclusive ser solidários. […] [O] crime é normal, contanto que seja odiado.” (Durkheim 1995:XII-XIII)
  • CASO ESPECIAL (o negativo só é positivo enquanto negativo; o patológico só é normal enquanto patológico): “Acontece a todo instante que uma coisa, embora prejudicial por algumas de suas consequências, seja, por outras, útil ou mesmo necessária à vida; ora, se os maus efeitos que ela tem são regularmente neutralizados por uma influência contrária, verifica-se de fato que ela serve sem prejudicar, não obstante continue sendo execrável, pois não deixa de constituir por si mesma um perigo eventual que só é conjurado pela ação de uma força antagônica. É o caso do crime; o mal que ele faz à sociedade é anulado pela pena, se esta funcionar regularmente.” (Durkheim 1995:153 nota 1)
  • CONSERVADORISMO CIENTÍFICO vs. REVOLUCIONARISMO DOUTRINÁRIO (sem dar nomes; Spencer? Marx? Tarde? Weber? socialistas? moralistas? liberais? Hegel?): “Nosso método, portanto, nada tem de revolucionário. Num certo sentido, é até essencialmente conservador, pois considera os fatos sociais como coisas cuja natureza, ainda que dócil e maleável, não é modificável à vontade. Bem mais perigosa é a doutrina que vê neles apenas o produto de combinações mentais, que um simples artifício dialético pode, num instante, subverter de cima a baixo!” (Durkheim 1995:XIII)
  • O PROBLEMA DAS ANALOGIAS BIOLÓGICAS (dor/sofrimento orgânico = crime?): “Não há no organismo funções repugnantes cuja atividade regular é necessária à saúde individual? Acaso não detestamos o sofrimento? E, não obstante, um ser que não o conhecesse seria um monstro. […] A dor é um fato normal, contanto que não seja apreciada; o crime é normal, contanto que seja odiado.” (Durkheim 1995:XII-XIII) OBS.: Mas se o que define dor/crime for o fato de não ser apreciado (e qualquer outra definição será uma tentativa mais ou menos arbitrária de submeter uma realidade a uma categoria que lhe é, até prova contrária, estranha), cada um pode ter sua própria definição de dor baseado em suas preferências; assim, sempre fugiríamos da dor e nunca poderíamos deixar de fazê-lo, pois é o fato de fugirmos que faz dela uma dor. A definição se torna redundante e inútil. Tais redundâncias frequentemente são usadas por Durkheim para deixar de lado as preferências empíricas do seu objeto em benefício de suas próprias. Mas se fizermos o que ele próprio propõe quando opõe ciência e senso comum ou ciência e doutrinação, teríamos que basear nossas classificações naquelas empiricamente fornecidas pelo objeto, o que nos obrigaria a evitar julgamentos como os implícitos na analogia dor=crime, incapazes por princípio de considerar a humanidade do suposto “criminoso” (apenas a de sua suposta vítima). A idéia de que o crime “faz mal” à sociedade coloca o criminoso contra a sociedade e só permite encará-lo como antissocial, o que não faz sentido sociologicamente.
  • O PROBLEMA DA OPOSIÇÃO INDIVÍDUOxSOCIEDADE (parteXtodo; simplesXcomplexo; psicologiaXsociologia): “Assim como os espiritualistas separam o reino psicológico do reino biológico, separamos o primeiro do reino social; da mesma forma que eles, recusamo-nos a explicar o mais complexo pelo mais simples.” (Durkheim 1995:XIII) OBS.: A idéia de que a sequência evolutiva físico=>biológico=>psicológico=>social vai do “simples” ao “complexo” é um preconceito.
  • RACIONALISTA (nem materialista, nem idealista, nem positivista [Comte e Spencer], anti-misticismo [Bergson?]): “Nosso principal objetivo, com efeito, é estender à conduta humana o racionalismo científico, mostrando que, considerada no passado, ela é redutível a relações de causa e efeito que uma operação não menos racional pode transformar a seguir em regras de ação para o futuro. […] Parece-nos portanto, sobretudo nesta época de misticismo renascente, que tal empreendimento pode e deve ser acolhido sem inquietude e mesmo com simpatia por todos aqueles que, embora divirjam de nós em certos pontos, partilham nossa fé no futuro da razão.” (Durkheim 1995:XIII-XIV)

:::::::::: PREFÁCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO [1901] :.

  • CONTROVÉRSIAS INICIAIS DIMINUÍRAM entre 1895 e 1901 (6 anos): “Quando foi publicado pela primeira vez, este livro suscitou controvérsias bastante fortes. As idéias correntes […] resistiram […], nos foi quase impossível fazer-nos ouvir. […] atribuíram-nos gratuitamente idéias que nada tinham em comum com as nossas, e acreditaram refutar-nos ao refutá-las. […] Imputaram-nos […] opiniões que não havíamos sustentado […] Não acreditamos nos enganar ao dizer que, desde então, as resistências progressivamente diminuíram.” (Durkheim 1995:XV-XVI)
  • CONSCIÊNCIA: “a consciência, tanto individual quanto social, não era para nós nada de substancial, mas apenas um conjunto mais ou menos sistematizado de fenômenos sui generis” (Durkheim 1995:XV)
  • DURKHEIM SABE QUE SERÁ SUPERADO CIENTIFICAMENTE (só erra ao enfatizar o método, quando este sobreviveu muito melhor às suas explicações, estas sim praticamente totalmente superadas): “[N]ão resta dúvida de que nossas fórmulas estão destinadas a ser reformadas no futuro. Resumo de uma prática pessoal e forçosamente restrita, elas deverão necessariamente evoluir à medida que se adquira uma experiência mais ampla e aprofundada da realidade social. Em matéria de método, aliás, jamais se pode fazer senão o provisório, pois os métodos mudam à medida que a ciência avança. (Durkheim 1995:XVI)
  • ANNÉE SOCIOLOGIQUE (“o ardor e a dedicação de nossos colaboradores” provou a possibilidade de uma sociologia científica [objetiva, específica, metódica, em contato com o detalhe dos fatos] em oposição à degeneração erudita da filosofia): “[N]estes últimos anos, e a despeito das oposições, a causa da sociologia objetiva, específica e metódica ganhou terreno sem interrupção. A fundação da revista Année sociologique certamente contribuiu em muito para esse resultado […] “[dando] uma idéia do que a sociologia pode e deve se tornar […] [,] “[mostrando] que ela não estava condenada a permanecer um ramo da filosofia geral, sendo capaz, por outro lado, de entrar em contato com o detalhe dos fatos sem degenerar em pura erudição.” (Durkheim 1995:XVI)
  • OBJETIVOS DO PREFÁCIO: (1) “acrescentar algumas explicações a todas aquelas que já demos”; (2) “responder a certas críticas”; (3) “e fazer sobre alguns pontos novos esclarecimentos” (Durkheim 1995:XVII)
  • FATO SOCIAL = COISA (o objetivo não é reduzir/rebaixar os fatos sociais ao nível dos objetos materiais, mas sim permitir uma atribuição aos primeiros de um estatuto de realidade análogo/equivalente ao que a ciência atribui a estes; isso está na base do método): “A proposição segundo a qual os fatos sociais devem ser tratados como coisas […] está na base de nosso método […]. Não dizemos, com efeito, que os fatos sociais são coisas materiais, e sim que são coisas tanto quanto as coisas materiais, embora de outra maneira. (Durkheim 1995:XVII)
  • DEFINIÇÃO FRACA DE “COISA”, EM OPOSIÇÃO A IDÉIA (coisa-fora-exterior-superficial-visívelXidéia-dentro-interior-profundo-invisível): “A coisa se opõe à idéia assim como o que se conhece a partir de fora se opõe ao que se conhece a partir de dentro. É coisa todo objeto do conhecimento que não é naturalmente penetrável à inteligência, tudo aquilo de que não podemos fazer uma noção adequada por um simples procedimento de análise mental, tudo o que o espírito não pode chegar a compreender a menos que saia de si mesmo, por meio de observações e experimentações, passando progressivamente dos caracteres mais exteriores e mais imediatamente acessíveis aos menos visíveis e aos mais profundos.” (Durkheim 1995:XVII) OBS.: Não é contraditório definir “a coisa” como sendo algo “exterior” que “resiste” à “penetração” “natural” ou “simples” da “inteligência”, da “análise mental”, do “espírito”, e que, ao mesmo tempo e igualmente por ser exterior, tem caracteres “mais imediatamente acessíveis”? Com efeito (risos), como pode a coisa ser, ao mesmo tempo, mais e menos acessível à análise?
  • DEFINIÇÃO FORTE DE “COISA” COMO ATITUDE (EXPERI)MENTAL (perspectiva metodicamente produzida) EM OPOSIÇÃO A CLASSIFICAÇÃO POR INTROSPECÇÃO: “Tratar os fatos de uma certa ordem como coisas não é, portanto, classificá-los nesta ou naquela categoria do real; é observar diante deles uma certa atitude mental. É abordar seu estudo tomando por princípio que se ignora absolutamente o que eles são e que suas propriedades características, bem como as causas desconhecidas de que estas dependem, não podem ser descobertas pela introspecção, mesmo a mais atenta. (Durkheim 1995:XVII-XVIII)
  • O PROBLEMA DOS OBJETOS MATEMÁTICOS: “todo objeto de ciência é uma coisa, com exceção talvez dos objetos matemáticos; pois, quanto a estes, como nós mesmos os construímos, dos mais simples aos mais complexos, é suficiente, para saber o que são, olhar dentro de nós e analisar interiormente o processo mental de que resultam.” (Durkheim 1995:XVIII) OBS.: Mas o que é a taxa de suicídio (ou qualquer outro artefato estatístico) senão um objeto matemático?
  • O PROBLEMA DA CIENTIFICIDADE DO SENSO COMUM EM SOCIOLOGIA (descartar as prenoções): “quando se trata de fatos propriamente ditos, eles são para nós, no momento em que empreendemos fazer-lhes a ciência, necessariamente coisas ignoradas, pois as representações que fizemos eventualmente deles ao longo da vida, tendo sido feitas sem método e sem crítica, são desprovidas de valor científico e devem ser deixadas de lado.” (Durkheim 1995:XVIII) OBS.: A etnometodologia mostrou que o senso comum tem seus próprios métodos, e que a ciência é só aquele etnométodo que se interessa pelo valor científico de outros etnométodos.
  • SENSO COMUM = SENSAÇÃO = CONFUSÃO: “as sensações nos fazem conhecer o calor ou a luz, o som ou a eletricidade; ela nos oferece impressões confusas, passageiras, subjetivas, mas não noções claras e distintas, conceitos explicativos desses fatos.” (Durkheim 1995:XVIII) OBS.: O problema whiteheadiano da bifurcação da natureza.
  • CIÊNCIA=OBJETIVIDADE: “as representações, individuais ou coletivas, só podem ser estudadas cientificamente com a condição de serem estudadas objetivamente.” (Durkheim 1995:154 nota 3)
  • O PROBLEMA DA OPOSIÇÃO INDIVÍDUOxSOCIEDADE (não participamos da gênese da sociedade, e mesmo se participamos, temos dessa participação apenas uma vaga ideia): “[A] maior parte das instituições sociais nos são legadas inteiramente prontas pelas gerações anteriores; não tomamos parte alguma em sua formação e, por consequência, não é nos interrogando que poderemos descobrir as causas que lhes deram origem. Além disso, mesmo que tenhamos colaborado na gênese delas, só vislumbramos da maneira mais confusa, e muitas vezes mais inexata, as verdadeiras razões que nos determinaram a agir e a natureza de nossa ação. […] [C]onhecemos bastante mal as motivações relativamente simples que nos guiam; cremo-nos desinteressados e na verdade agimos como egoístas, julgamos obedecer ao ódio quando cedemos ao amor, à razão quando somos escravos de preconceitos irrefletidos, etc. […] [C]ada um só participa dela [da coletividade] numa ínfima parte; temos uma multidão de colaboradores e o que se passa nas outras consciências nos escapa.” (Durkheim 1995:XIX) OBS.: Mas se a sociedade só existe por nossas ações, é inútil dizer que não participamos de sua criação. E se participamos de sua criação, é anti-científico postular a priori que ignoramos a natureza dessa participação. Existe um meio termo entre a ignorância e a ciência, que o senso comum pode habitar sem ser confundido com nenhuma delas.
  • O PROBLEMA DA ANTI-FILOSOFIA: “Nossa regra não implica portanto nenhuma concepção metafísica, nenhuma especulação sobre o âmago dos seres.” (Durkheim 1995:XIX) OBS.: O que dizer então da distinção apenas superficialmente evidente entre interiorXexterior?
  • MATURIDADE INTELECTUAL da SOCIOLOGIA como CIÊNCIA (substituir prenoções por esforço metódico): “Nossa regra […] reclama […] que o sociólogo se coloque no mesmo estado de espírito dos físicos, químicos, fisiologistas, quando se lançam numa região ainda inexplorada de seu domínio científico. É preciso que, ao penetrar no mundo social, ele tenha consciência de que penetra no desconhecido; é preciso que ele se sinta diante de fatos cujas leis são tão insuspeitas quanto podiam ser as da vida, quando a biologia não estava constituída; é preciso que ele esteja pronto a fazer descobertas que o surpreenderão e o desconcertarão. Ora, a sociologia está longe de ter chegado a um grau de maturidade intelectual. Enquanto o cientista que estuda a natureza física tem o sentimento muito vivo das resistências que ela lhe opõe e que só são vencidas com dificuldade, parece que o sociólogo se move em meio a coisas imediatamente transparentes para o espírito, tamanha a facilidade com que o vemos resolver as questões mais obscuras. (Durkheim 1995:XIX-XX)
  • É PRECISO TER CONSCIÊNCIA DO ESTADO DA IGNORÂNCIA SOCIOLÓGICA: “No estado atual da ciência, não sabemos verdadeiramente o que são nem sequer as principais instituições sociais, como o Estado ou a família, o direito de propriedade ou o contrato, a pena ou a responsabilidade; ignoramos quase completamente as causas de que dependem, as funções que cumprem, as leis de sua evolução; apenas começamos a vislumbrar algumas luzes em certos pontos. No entanto, basta percorrer as obras de sociologia para ver como é raro o sentimento dessa ignorância e dessas dificuldades. (Durkheim 1995:XX)
  • CRÍTICA AOS SOCIÓLOGOS NÃO-CIENTÍFICOS (também se aplica a Durkheim): “Os sociólogos não somente se consideram como que obrigados a dogmatizar sobre todos os problemas ao mesmo tempo, mas acreditam poder, em algumas páginas ou em algumas frases, atingir a essência mesma dos fenômenos mais complexos. Vale dizer que semelhantes teorias exprimem, não os fatos que não poderiam ser esgotados com tal rapidez, mas a prenoção que deles tinha o autor, anteriormente à pesquisa.” (Durkheim 1995:XX)
  • O VALOR SOCIOLÓGICO DOS ETNOMÉTODOS E SUA RELAÇÃO COM O ETNOMÉTODO ESPECÍFICO DA SOCIOLOGIA (a ineficácia sociológica de concepções individuais): “Certamente a idéia que fazemos das práticas coletivas, do que elas são ou do que devem ser, é um fator de seu desenvolvimento. Mas essa idéia mesma é um fato que, para ser convenientemente determinado, deve igualmente ser estudado desde fora. Pois o que importa saber não é a maneira como tal pensador individualmente concebe tal instituição, mas a concepção que dela tem o grupo; somente essa concepção é socialmente eficaz.” (Durkheim 1995:XX-XXI)
  • O PROBLEMA DA OPOSIÇÃO INDIVÍDUOxSOCIEDADE (“os fenômenos sociais como exteriores aos indivíduos”): “como a sociedade não é composta senão de indivíduos, o senso comum julga que a vida social não pode ter outro substrato que a consciência individual; sem isso, ela parece solta no ar e pairando no vazio.” (Durkheim 1995:XXI) OBS.: Mas o substrato da vida social se resume a indivíduos?
  • O PROBLEMA DA PASSIVIDADE DAS COISAS: “A proposição [segundo a qual “a sociedade não é composta senão de indivíduos”], aliás, é só parcialmente exata. Além dos indivíduos, há as coisas que são elementos integrantes da sociedade. É verdade, porém, que os indivíduos são seus únicos elementos ativos.” (Durkheim 1995:154 nota 4) OBS.: Como conciliar a passividade das “coisas” com a atividade das “coisas sociais”?
  • O FATO DA ASSOCIAÇÃO (combinação, união, síntese): “Toda vez que elementos quaisquer, ao se combinarem, produzem, por sua combinação, fenômenos novos, cumpre conceber que esses fenômenos estão situados, não nos elementos, mas no todo formado por sua união. A célula viva nada contém senão partículas minerais, assim como a sociedade nada mais contém além dos indivíduos; no entanto, é evidentemente impossível que os fenômenos característicos da vida residam em átomos de hidrogênio, de oxigênio, de carbono e de azoto. Pois de que maneira os movimentos vitais poderiam se produzir no seio de elementos não vivos? […] A vida […] é una e, em consequência, só pode ter por sede a substância viva em sua totalidade. Ela está no todo, não nas partes. Não são as partículas não vivas da célula que se alimentam, se reproduzem, em suma, que vivem; é a própria célula, e somente ela. O que dizemos da vida poderia ser dito de todas as sínteses possíveis. A dureza do bronze não está nem no cobre, nem no estanho, nem no chumbo que serviram para formá-lo e que são corpos brandos ou flexíveis; está na mistura deles. A fluidez da água, suas propriedades alimentares e outras não estão nos dois gases que a compõem, mas na substância complexa que formam por sua associação.” (Durkheim 1995:XXI-XXII) OBS.: Durkheim confunde a ação (associação, combinação, união, síntese) com um resultado muito raro dela (totalidade, todo).
  • FATOS SOCIAIS são EXTERIORES ÀS CONSCIÊNCIAS INDIVIDUAIS, mas NÃO À CONSCIÊNCIA COLETIVA (a subjetividade é tão objetiva quanto coletiva): “Se, como nos concedem, essa síntese sui generis que constitui toda sociedade produz fenômenos novos, diferentes dos que se passam nas consciências solitárias, cumpre admitir que esses fatos específicos residem na sociedade mesma que os produz, e não em suas partes, isto é, em seus membros. Neste sentido, portanto, eles são exteriores às consciências individuais, consideradas como tais, assim como os caracteres distintivos da vida são exteriores às substâncias minerais que compõem o ser vivo. Não se pode reabsorvê-los nos elementos sem que haja contradição, uma vez que, por definição, eles supõem algo mais do que esses elementos contêm. […] Os fatos sociais não diferem apenas em qualidade dos fatos psíquicos; eles têm outro substrato, não evoluem no mesmo meio, não dependem das mesmas condições. O que não quer dizer que não sejam, também eles, psíquicos de certa maneira, já que todos consistem em modos de pensar ou de agir. Mas os estados da consciência coletiva são de natureza diferente dos estados da consciência individual; são representações de uma outra espécie. A mentalidade dos grupos não é a dos particulares; tem suas próprias leis.” (Durkheim 1995:XXII-XXIII) OBS.: A rigor, portanto, a sociedade tem por substrato não indivíduos (indivíduo isolado, objeto da psicologia individual ou intrapsicologia) mas sim associações (indivíduos associados, objetos da psicologia social, psicossociologia ou interpsicologia).
  • REPRESENTAÇÕES COLETIVAS = MATÉRIA DA VIDA SOCIAL: “o que as representações coletivas traduzem é o modo como o grupo se pensa em suas relações com os objetos que o afetam.” (Durkheim 1995:XXIII)
  • DA POSSIBILIDADE (realizável apenas no futuro, e não pela sociologia) DE UMA PSICOLOGIA FORMAL (semiótica?) como TERRENO COMUM à PSICOLOGIA INDIVIDUAL e a SOCIOLOGIA (leis de associação; estruturalismo lévi-straussiano?): “tudo o que sabemos, por um lado, sobre a maneira como se combinam as idéias individuais se reduz a algumas proposições, muito gerais e muito vagas, que chamamos comumente leis de associação de idéias. E, quanto às leis da ideação coletiva, elas são ainda mais completamente ignoradas. […] Seria preciso investigar, pela comparação dos temas míticos, das lendas e tradições populares, das línguas, de que forma as representações sociais se atraem ou se excluem, se fundem umas nas outras ou se distinguem, etc. Ora, se o problema merece tentar a curiosidade dos pesquisadores, mal se pode dizer que ele foi abordado; e enquanto não se tiver encontrado algumas dessas leis, será evidentemente impossível saber com certeza se elas repetem ou não as da psicologia individual. […] Se, portanto, como é presumível, certas leis da mentalidade social lembram efetivamente algumas daquelas estabelecidas pelos psicólogos, não é que as primeiras são um simples caso particular das segundas, mas que entre ambas, ao lado de diferenças certamente importantes, há similitudes que a abstração poderá extrair, e que são ainda ignoradas. Vale dizer que em caso nenhum a sociologia poderia tomar pura e simplesmente de empréstimo à psicologia esta ou aquela de suas proposições, para aplicá-la tal e qual aos fatos sociais. O pensamento coletivo inteiro, em sua forma e em sua matéria, deve ser estudado em si mesmo, por si mesmo, com o sentimento do que ele tem de específico, e cabe deixar ao futuro a tarefa de saber em que medida ele se assemelha ao pensamento individual. Esse é inclusive um problema relacionado antes à filosofia geral e à lógica abstrata do que ao estudo científico dos fatos sociais.” (Durkheim 1995:XXV-XXVI)
  • FATOS DEVEM SER ESTUDADOS DO EXTERIOR POIS SÃO: “sínteses que ocorrem fora de nós” (Durkheim 1995:154 nota 5)
  • FATOS SOCIAIS: “maneiras de fazer ou de pensar, reconhecíveis pela particularidade de serem capazes de exercer sobre as consciências particulares uma influência coercitiva.” (Durkheim 1995:XXVII)
  • COERÇÃO como SINAL EXTERIOR e IMEDIATAMENTE DISCERNÍVEL (entre outros possíveis) DO FATO SOCIAL, e NÃO COMO SUA CARACTERÍSTICA ESSENCIAL: “O que propúnhamos [com a definição de fato social como capaz de coagir] era, não antecipar por uma visão filosófica as conclusões da ciência [como Tarde com suas leis da imitação], mas simplesmente indicar em que sinais exteriores é possível reconhecer os fatos que ela deve examinar, a fim de que o cientista saiba percebê-los onde se encontram e não os confunda com outros. Tratava-se de delimitar o campo da pesquisa tanto quanto possível, não de se envolver numa espécie de intuição exaustiva. […] Não há nada de inconcebível, com efeito, em que o fato social possa ser caracterizado de várias maneiras diferentes; não há razão para que ele tenha apenas uma propriedade distintiva. Tudo o que importa é escolher a que parece a melhor para o objetivo proposto. É bem possível, até, empregar simultaneamente vários critérios, conforme as circunstâncias. Nós mesmos reconhecemos ser às vezes necessário isso em sociologia, pois há casos em que o caráter de coerção não é facilmente reconhecível. O que é preciso, já que se trata de uma definição inicial, é que as características utilizadas sejam imediatamente discerníveis e possam ser percebidas antes da pesquisa.” (Durkheim 1995:XXVII-XXVIII)
  • O FATO SOCIAL É TANTO COERCITIVO (contra o indivíduo isolado) QUANTO COAGIDO (promovido pelos indivíduos associados), MAS SÓ A COERÇÃO SE OFERECE INICIALMENTE À ANÁLISE: “O poder coercitivo que lhe atribuímos não representa a totalidade do fato social, tanto assim que este pode apresentar igualmente o caráter oposto. Pois, ao mesmo tempo que as instituições se impõem a nós, aderimos a elas; elas nos obrigam e as amamos; elas nos constrangem e vemos vantagens em seu funcionamento e nesse constrangimento mesmo. Essa antítese é a que os moralistas com frequência assinalaram entre as noções do bem e do dever, que exprimem dois aspectos diferentes, mas igualmente reais, da vida moral. Ora, talvez não haja práticas coletivas que não exerçam sobre nós essa dupla ação, que só é contraditória, aliás, em aparência. Se não as definimos por essa adesão especial, ao mesmo tempo interessada e desinteressada, é simplesmente porque esta não se manifesta por sinais exteriores, facilmente perceptíveis. O bem tem algo de mais interno, de mais íntimo que o dever, portanto de menos discernível. (Durkheim 1995:154 nota 6) OBS.: A sociedade digital em rede mudou essa realidade.
  • DE INÍCIO, APENAS OS SINAIS EXTERIORES DO FATO SOCIAL PODEM SER DEFINIDOS, NUNCA SUAS CAUSAS OU EFEITOS: “só é possível saber se a sociedade é ou não a causa de um fato ou se esse fato tem efeitos sociais quando a ciência já avançou. Tais definições não poderiam, pois, determinar o objeto da investigação que começa. Para que se possa utilizá-las, é preciso que o estudo dos fatos sociais já tenha avançado bastante e, portanto, que tenha sido descoberto algum outro meio preliminar de reconhecê-los [i.e.: a coerção] lá onde se encontram.” (Durkheim 1995:XXVIII) OBS.: Durkheim se esquece desse princípio quando postula a função social da coerção (criar solidariedade).
  • COERÇÃO FÍSICA (corpos, arranjos moleculares rígidos) =/= COERÇÃO SOCIAL (consciência, representações prestigiosas): “entre esses dois modos de coerção existe toda a diferença que separa um meio físico de um meio moral. A pressão exercida por um ou vários corpos sobre outros corpos, ou mesmo sobre vontades, não poderia ser confundida com aquela que exerce a consciência de um grupo sobre a consciência de seus membros. O que a coerção social tem de inteiramente especial é que ela se deve, não à rigidez de certos arranjos moleculares, mas ao prestígio de que seriam investidas algumas representações.” (Durkheim 1995:XXVIII)
  • COERÇÃO SOCIAL (exterior) =/= HÁBITOS (interior): “É verdade que os hábitos, individuais ou hereditários, têm, sob certos aspectos, a mesma propriedade. Eles nos dominam, nos impõem crenças ou práticas. Só que nos dominam desde dentro, pois estão inteiros em cada um de nós. Ao contrário, as crenças e as práticas sociais agem sobre nós desde fora; assim, a influência exercida por uns e por outras é, no fundo, muito diferente. (Durkheim 1995:XXVIII-XXIX) OBS.: O limite entre o que nos é interior e exterior não é dado (pra começar, quem é esse “nós”?).
  • FENÔMENOS SOCIAIS (coerção) são TÃO REAIS quanto FENÔMENOS NATURAIS (existem independentemente dos indivíduos): “Pois tudo o que é real tem uma natureza definida que se impõe, com a qual se deve contar e que, mesmo quando se consegue neutralizá-la, jamais é completamente vencida. E, no fundo, aí está o que há de mais essencial na noção de coerção social. Pois tudo o que ela implica é que as maneiras coletivas de agir e de pensar têm uma realidade exterior aos indivíduos que, a cada momento do tempo, conformam-se a elas. São coisas que têm sua existência própria. O indivíduo as encontra inteiramente formadas e não pode fazer que elas não existam ou que sejam diferentes do que são; assim, ele é obrigado a levá-las em conta, sendo mais difícil (não dizemos impossível) modificá-las na medida em que elas participam, em graus diversos, da supremacia material e moral que a sociedade exerce sobre seus membros.” (Durkheim 1995:XXIX)
  • O FATO DA ASSOCIAÇÃO (o papel do indivíduo na gênese dos fatos sociais é secundário frente ao da associação; intersubjetividade=objetividade): “Certamente o indivíduo desempenha um papel na gênese delas [coisas/fatos sociais]. Mas, para que haja fato social, é preciso que vários indivíduos, pelo menos, tenham juntado sua ação e que essa combinação tenha produzido algo novo. E, como essa síntese ocorre fora de cada um de nós (já que envolve uma pluralidade de consciências), ela necessariamente tem por efeito fixar, instituir fora de nós certas maneiras de agir e certos julgamentos que não dependem de cada vontade particular isoladamente.” (Durkheim 1995:XXIX) OBS.: O que Durkheim chama de “indivíduo” (o isolado, em oposição ao associado) se mostra cada vez mais uma abstração sem realidade.
  • A VARIABILIDADE INDIVIDUAL FRENTE À NORMA (suas diversas individualizações) REFLETE A MARGEM DE INDETERMINAÇÃO DOS FATOS SOCIAIS (os limites permitidos à variação): “Ao pensarmos as instituições coletivas, ao assimilá-las internamente, nós as individualizamos, conferimos a elas, em maior ou menor grau, nossa marca pessoal; é assim que, ao pensar o mundo sensível, cada um de nós o colore à sua maneira, e que sujeitos diferentes se adaptam diferentemente a um mesmo meio físico. Por isso, em certa medida, cada um de nós faz sua moral, sua religião, sua técnica. Não há conformismo social que não comporte toda uma gama de nuances individuais. Não obstante; o campo das variações permitidas é limitado. Ele é nulo ou muito pequeno no círculo dos fenômenos religiosos e morais, onde a variação torna-se facilmente um crime; é mais amplo em tudo o que concerne à vida econômica. Mas, cedo ou tarde, mesmo nesse último caso, chega-se a um limite que não pode ser franqueado.” (Durkheim 1995:154-5 nota 8)
  • FATOS SOCIAIS = INSTITUIÇÕES: “Com efeito, sem alterar o sentido dessa expressão [instituição], pode-se chamar instituição todas as crenças e todos os modos de conduta instituídos pela coletividade; a sociologia pode então ser definida como a ciência das instituições, de sua gênese e de seu funcionamento.” (Durkheim 1995:XXX)
  • O PROBLEMA DE TER CONFUNDIDO O “FENÔMENO” COM O “PRINCÍPIO”: “nosso princípio fundamental: a realidade objetiva dos fatos sociais. É nesse princípio, afinal, que tudo repousa e se resume.” (Durkheim 1995:XXX) OBS.: assume-se a priori o que deveria ser investigado, i.e.: a realidade objetiva dos fatos sociais.
  • A POSSIBILIDADE DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA DEPENDE DA POSSIBILIDADE DE DEFINIÇÃO OBJETIVA DE SEU OBJETO: “Com efeito, essa ciência só podia nascer no dia em que se pressentisse que os fenômenos sociais, embora não sejam materiais, não deixam de ser coisas reais que comportam o estudo. Para chegar a pensar que havia motivos de pesquisar o que são, era preciso ter compreendido que eles existem de uma forma definida, que têm uma maneira de ser constante, uma natureza que não depende do arbítrio individual e da qual derivam relações necessárias. Assim a história da sociologia é apenas um longo esforço para precisar esse sentimento, aprofundá-lo, desenvolver todas as consequências que ele implica.” (Durkheim 1995:XXX)
  • POSTULADO ANTROPOCÊNTRICO x CIÊNCIA: “Desagrada ao homem renunciar ao poder ilimitado que por muito tempo ele se atribuiu sobre a ordem social, e, por outro lado, parece-lhes que, se existem realmente forças coletivas, ele estaria necessariamente condenado a sofrê-las sem poder modificá-las. É isso que o leva a negá-las. Em vão, experiências repetidas lhe ensinaram que essa onipotência, em cuja ilusão se mantém complacentemente, sempre foi para ele uma causa de fraqueza; que seu domínio sobre as coisas realmente só começou a partir do momento em que reconheceu que elas têm uma natureza própria, e se resignou a aprender com elas o que elas são. Expulso de todas as outras ciências, esse deplorável preconceito se mantém obstinadamente em sociologia. Portanto, não há nada mais urgente do que buscar libertar nossa ciência definitivamente dele. É esse o principal objetivo de nossos esforços.” (Durkheim 1995:XXXI)

:::::::::: INTRODUÇÃO :.

  • GENERALIDADES FILOSÓFICAS (Spencer, Stuart Mill) X MÉTODO CIENTÍFICO (Comte, Durkheim): “Ora, para tratar essas questões filosóficas, não são necessários procedimentos especiais e complexos.” (Durkheim 1995:XXXIV)
  • DURKHEIM PROPÕE:: “elaborar um método que julgamos mais definido, mais exatamente adaptado à natureza particular dos fenômenos sociais. São esses resultados de nossa prática […][,] implicitamente contidos no livro que publicamos recentemente sobre A divisão do trabalho social […][,] que gostaríamos de expor aqui” (Durkheim 1995:XXXIV)

:::::::::: CAPÍTULO I: O QUE É UM FATO SOCIAL? :.

  • O PROBLEMA DE DEFINIR O OBJETO ANTES DO MÉTODO: “Antes de procurar qual método convém ao estudo dos fatos sociais, importa saber quais fatos chamamos assim. (Durkheim 1995:1) OBS.: Definindo o objeto antes do método chegamos evidentemente a uma definição sem método.
  • FATOS BIOLÓGICOS e PSICOLÓGICOS NÃO SÃO SOCIAIS: “Todo indivíduo come, bebe, dorme, raciocina, e a sociedade te todo o interesse em que essas funções se exerçam regularmente. Portanto, se esses fatos fossem sociais, a sociologia não teria objeto próprio, e seu domínio se confundiria com o da biologia e da psicologia.” (Durkheim 1995:1) OBS.: Mauss vai mostrar uma maneira de superar essa definição negativa com seu conceito de “fato social total”.
  • FATOS SOCIAIS (existem antes e fora de mim, já os recebo prontos, mesmo quando me identifico com eles): “Quando desempenho minha tarefa de irmão, de marido ou de cidadão, quando executo os compromissos que assumi, eu cumpro deveres que estão definidos, fora de mim e de meus atos, no direito e nos costumes. Ainda que eles estejam de acordo com meus sentimentos próprios e que eu sinta interiormente a realidade deles, esta não deixa de ser objetiva; pois não fui eu que os fiz, mas os recebi pela educação. Aliás, quantas vezes não nos ocorre ignorarmos o detalhe das obrigações que nos incumbem e precisarmos, para conhecê-las, consultar o Código e seus intérpretes autorizados! Do mesmo modo, as crenças e as práticas de sua vida religiosa, o fiel as encontrou inteiramente prontas ao nascer; se elas existiam antes dele, é que existem fora dele. O sistema de signos de que me sirvo para exprimir meu pensamento, o sistema de moedas que emprego para pagar minhas dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo em minhas relações comerciais, as práticas observadas em minha profissão, etc. funcionam independentemente do uso que faço deles. […] Eis aí, portanto, maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam essa notável propriedade de existirem fora das consciências individuais. (Durkheim 1995:1-2)
  • FATO = EXTERIORIDADE + COERÇÃO: “Esses tipos de conduta ou de pensamento não apenas são exteriores ao indivíduo, como também são dotados de uma força imperativa e coercitiva em virtude da qual se impõem a ele, quer ele queira, quer não. Certamente, quando me conformo voluntariamente a ela, essa coerção não se faz ou pouco se faz sentir, sendo inútil. Nem por isso ela deixa de ser um caráter intrínseco desses fatos, e a prova disso é que ela se afirma tão logo tento resistir.” (Durkheim 1995:) OBS.: O fato de Durkheim postular a existência de coerção mesmo quando esta não se manifesta vai contra seu próprio método. A idéia de que a coerção é “intrínseca” aos fatos também não é sustentável e é revista no prefácio à segunda edição.
  • COERÇÃO NO DIREITO (1-impedir a transgressão; 2-restabelecer a normalidade; 3-expiação da transgressão):(Durkheim 1995:2-3)
  • RISO/AFASTAMENTO COMO PENA: “Se não me submeto às convenções do mundo, se, ao vestir-me, não levo em conta os costumes observados em meu país e em minha classe, o riso que provoco, o afastamento em relação a mim produzem, embora de maneira mais atenuada, os mesmos efeitos que uma pena propriamente dita. (Durkheim 1995:3)
  • A COERÇÃO PODE SE MANIFESTAR INDIRETAMENTE, NÃO PELA PROIBIÇÃO DE VARIAÇÕES, MAS PELA RESISTÊNCIA OFERECIDA A ELAS: “Não sou obrigado a falar francês com meus compatriotas, nem a empregar as moedas legais; mas é impossível agir de outro modo. Se eu quisesse escapar a essa necessidade, minha tentativa fracassaria miseravelmente. Industrial, nada me proíbe de trabalhar com procedimentos e métodos do século passado; mas, se o fizer, é certo que me arruinarei. Ainda que, de fato eu possa libertar-me dessas regras e violá-las com sucesso, isso jamais ocorre sem que eu seja obrigado a lutar contra elas. E ainda que elas sejam finalmente vencidas, demonstram suficientemente sua força coercitiva pela resistência que opõem. Não há inovador, mesmo afortunado, cujos empreendimentos não venham a deparar com oposições desse tipo.” (Durkheim 1995:3)
  • A ESPECIFICIDADE dos FATOS SOCIAIS (exterioridade+coerção) frente a FENÔMENOS ORGÂNICOS (biológicos) e a FENÔMENOS PSÍQUICOS (individuais): “Eis portanto uma ordem de fatos que apresentam características muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por conseguinte, eles não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, já que colnsistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, os quais só têm existência na consciência individual e através dela. Esses fatos constituem portanto uma espécie nova, e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais.(Durkheim 1995:)
  • DEFINIÇÃO NEGATIVA DE “SOCIAL”: “a palavra social só tem sentido definido com a condição de designar unicamente fenômenos que não se incluem em nenhuma das categorias de fatos já constituídos e denominados.” (Durkheim 1995:4)
  • TUDO QUE NOS É EXTERIOR NOS É IMPOSTO?: “Sendo hoje incontestável [???][…] que a maior parte de nossas idéias e de nossas tendências não é elaborada por nós, mas nos vem de fora, elas só podem penetrar em nós impondo-se;eis tudo o que significa nossa definição. (Durkheim 1995:4)
  • CORRENTES SOCIAIS como FATOS SOCIAIS (distintos de INSTITUIÇÕES): “Entretanto, como os exemplos que acabamos de citar (regras jurídicas, morais, dogmas religiosos, sistemas financeiros, etc.) consistem todos em crenças e em práticas constituídas, poder-se-ia supor, com base no que precede, que só há fato social onde há organização definida. Mas existem outros fatos que, sem apresentar essas formas cristalizadas, têm a mesma objetividade e a mesma ascendência sobre o indivíduo. É o que chamamos de correntes sociais. Assim, numa assembléia, os grandes movimentos de entusiasmo ou de devoção que se produzem não têm por lugar de origem nenhuma consciência particular. Eles nos vêm, a cada um de nós, de fora e são capazes de nos arrebatar contra a nossa vontade. Certamente, pode ocorrer que, entregando-me a eles sem reserva, eu não sinta a pressão que exercem sobre mim. Mas ela se acusa tão logo procuro lutar contra eles. Que um indivíduo tente se opor a uma dessas manifestações coletivas: os sentimentos que ele nega se voltarão contra ele. Ora, se essa força de coerção externa se afirma com tal nitidez nos casos de resistência, é porque ela existe, ainda que inconsciente, nos casos contrários. Somos então vítimas de uma ilusão que nos faz crer que elaboramos, nós mesmos, o que se impôs a nós de fora. Mas, se a complacência com que nos entregamos a essa força encobre a pressão sofrida, ela não a suprime. Assim, também o ar não deixa de ser pesado, embora não sintamos mais seu peso.” (Durkheim 1995:4-5) OBS.: O fato de o peso do ar existir mesmo que não o sintamos é provado experimentalmente. Já o fato de a coerção social existir mesmo que não a sintamos não foi provada e vai contra o próprio método durkheimiano pois submete os fatos a seus preconceitos.
  • COMPORTAMENTO DE MULTIDÃO e MOVIMENTOS DE OPINIÃO como FATOS SOCIAIS:(Durkheim 1995:5)
  • EDUCAÇÃO INFANTIL=SOCIALIZAÇÃO/FORMAÇÃO DE HÁBITOS FORÇADA?: “Quando se observam os fatos tais como são e tais como sempre foram, salta aos olhos que toda educação consiste num esforço contínuo para impor à criança maneiras de ver, de sentir e de agir às quais ela não teria chegado espontaneamente. Desde os primeiros momentos de sua vida, forçamo-las a comer, a beber, a dormir em horários regulares, forçamo-las à limpeza, à calma, à obediência; mais tarde, forçamo-las para que aprendam a levar em conta outrem, a respeitar os costumes, as conveniências, forçamo-las ao trabalho, etc., etc. Se, com o tempo, essa coerção cessa de ser sentida, é que pouco a pouco ela dá origem a hábitos, a tendências internas que a tornam inútil, mas que só a substituem pelo fato de derivarem dela. […] [A] educação tem justamente por objeto produzir o ser social; pode-se portanto ver nela, como que resumidamente, de que maneira esse ser constituiu-se na história. Essa pressão de todos os instantes que sofre a criança é a pressão mesma do meio social que tende a modelá-la à sua imagem e do qual os pais e os mestres não são senão os representantes e os intermediários.” (Durkheim 1995:6) OBS.:Durkheim concebe a educação como processo unidirecional no qual a sociedade age sobre crianças passivas por intermédio de adultos igualmente passivos.
  • NÃO É A GENERALIDADE (o fato de ser geral) MAS SIM a EXTERIORIDADE COERCITIVA que CONSTITUI o FATO SOCIAL: “Com efeito, algumas dessas maneiras de agir ou de pensar adquirem, por causa da repetição, uma espécie de consistência que as precipita, por assim dizer, e as isola dos acontecimentos particulares que as refletem. Elas assumem assim um corpo, uma forma sensível que lhes é própria, e constituem uma realidade sui generis, muito distinta dos fatos individuais que a manifestam. O hábito coletivo não existe apenas em estado de imanência nos atos sucessivos que ele determina, mas se exprime de uma vez por todas por um privilégio cujo exemplo não encontramos no reino biológico, numa fórmula que se repete de boca em boca, que se transmite pela educação, que se fixa através da escrita.” (Durkheim 1995:7)
  • DURKHEIM USA ESTATÍSTICAS (“certos artifícios de método”) PARA “provar que o fato social é distinto de suas repercussões individuais”; PARA “separar o fato social de toda mistura para observá-lo no estado de pureza”; PARA REVELAR “os fenômenos sociais, desembaraçados de todo elemento estranho”: “Assim, há certas correntes de opinião que nos impelem, com desigual intensidade, conforme os tempos e os lugares, uma ao casamento, por exemplo, outra ao suicídio ou a uma natalidade mais ou menos acentuada, etc. Trata-se, evidentemente, de fatos sociais. À primeira vista, eles parecem inseparáveis das formas que assumem nos casos particulares. Mas a estatística nos fornece o meio de isolá-los. Com efeito, eles são representados, não sem exatidão, pelas taxas de natalidade, de nupcialidade, de suicídios […]. Pois, como cada uma dessas cifras compreende todos os casos particulares sem distinção, as circunstâncias individuais que podem ter alguma participação na produção do fenômeno neutralizam-se mutuamente e, portanto, não contribuem para determiná-lo. O que esse fato exprime é um certo estado da alma coletiva.” (Durkheim 1995:8)
  • FENÔMENOS SOCIAIS =/= FENÔMENOS SOCIOPSÍQUICOS (não propriamente sociológicos, apesar de influenciados pela sociedade):(Durkheim 1995:9)
  • FATOS SOCIAIS (em oposição a “individuais”, como o todo se opõe às partes) SÃO GERAIS (repetidos por muitos indivíduos) POR SEREM COLETIVOS (obrigatórios, coagindo os indivíduos), E NÃO O CONTRÁRIO: “se ele [o fenômeno] é geral, é porque é coletivo (isto é, mais ou menos obrigatório), o que é bem diferente de ser coletivo por ser geral. Esse fenômeno é um estado do grupo, que se repete nos indivíduos porque se impõe a eles. Ele está em cada parte porque está no todo, o que é diferente de estar no todo por estar nas partes.” (Durkheim 1995:9)
  • AUTORIDADE DA TRADIÇÃO (“crenças e práticas que nos são transmitidas inteiramente prontas pelas gerações anteriores”); um SENTIMENTO COLETIVO QUE IRROMPE NUMA ASSEMBLÉIA; ENERGIA SOCIAL; UNÍSSONO: “É uma resultante da vida comum, das ações e reações que se estabelecem entre as consciências individuais; e, se repercute em cada uma delas, é em virtude da energia social que ele deve precisamente à sua origem coletiva. Se todos os corações vibram em uníssono, não é por causa de uma concordância espontânea e preestabelecida; é que uma mesma força os move no meso sentido. Cada um é arrastado por todos.(Durkheim 1995:9-10)
  • O FATO SOCIAL E O PROBLEMA DA COERÇÃO IMPLÍCITA: “Um fato social se reconhece pelo poder de coerção externa que exerce ou é capaz de exercer sobre os indivíduos; e a presença desse poder se reconhece, por sua vez, seja pela existência de alguma sanção determinada, seja pela resistência que o fato opõe a toda tentativa individual de fazer-lhe violência. […] De fato, a coerção é fácil de constatar quando se traduz exteriormente por alguma reação direta da sociedade, como é o caso em relação ao direito, à moral, às crenças, aos costumes, inclusive às modas. Mas, quando é apenas indireta, como a que exerce uma organização econômica, ela nem sempre se deixa perceber tão bem. […] [Mesmo então], se uma maneira de se conduzir, que existe exteriormente às consciências individuais, se generaliza, ela só pode fazê-lo impondo-se.” (Durkheim 1995:10-1) OBS.: Não foi provado que a imposição seja a única forma de uma maneira de se conduzir se generalizar.
  • CRÍTICA A TARDE (o problema da oposição individual-parteXcoletivo-todo): “” (Durkheim 1995:155-6 nota 3)
  • A MORFOLOGIA (maneiras de ser) É A FISIOLOGIA (maneiras de fazer) CONSOLIDADA (a forma-ser segue a função-fazer): “A estrutura política de uma sociedade não é senão a maneira como os diferentes segmentos que a compõem se habituaram a viver uns com os outros. Se suas relações são tradicionalmente próximas, os segmentos tendem a se confundir; caso contrário, tendem a se distinguir. O tipo de habitação que se impõe a nós não é senão a maneira como todos ao nosso redor e, em parte, as gerações anteriores se acostumaram a construir suas casas. As vias de comunicação não são senão o leito escavado pela própria corrente regular das trocas e das migrações, correndo sempre no mesmo sentido, etc. Certamente, se os fenômenos de ordem morfológica fossem os únicos a apresentar essa fixidez, poderíamos pensar que eles constituem uma espécie à parte. Mas uma regra jurídica é um arranjo não menos permanente que um modelo arquitetônico, e no entanto é um fato fisiológico. Uma simples máxima moral é, seguramente, mais maleável; porém ela possui formas bem mais nítidas que um simples costume profissional ou que uma moda. Há assim toda uma gama de nuances que, sem solução de continuidade, liga os fatos estruturais mais caracterizados às correntes livres da vida social ainda não submetidas a nenhum molde definido. É que entre os primeiros e as segundas apenas há diferenças no grau de consolidação que apresentam. Uns e outras são apenas vida mais ou menos cristalizada. Claro que pode haver interesse em reservar o nome de morfológicos aos fatos sociais que concernem ao substrato social, mas com a condição de não perder de vista que eles são da mesma natureza que os outros.” (Durkheim 1995:12-3)
  • DEFINIÇÃO DE FATO SOCIAL: “É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais.” (Durkheim 1995:13) OBS.: A palavra “suscetível” salva a primeira parte da definição, pois não exige coerção, apenas a comporta. A segunda parte é mais problemática, uma vez que já pressupõe uma “sociedade dada” e separa o fato social de suas “manifestações individuais”.
  • APENAS DIFERENÇAS DE GRAU ENTRE O ÓRGÃO E A FUNÇÃO (o órgão é uma função consolidada): “Esse íntimo parentesco da vida e da estrutura, do órgão e da função, pode ser facilmente estabelecido em sociologia porque, entre esses dois termos extremos, existe toda uma série de intermediários imediatamente observáveis e que mostra a ligação entre eles. […] [E]xistem apenas diferenças de grau entre essas duas ordens de fatos.” (Durkheim 1995:156 nota 4)

:::::::::: CAPÍTULO II: REGRAS RELATIVAS À OBSERVAÇÃO DOS FATOS SOCIAIS :.

  • FATOS SOCIAIS=COISAS: “A primeira regra e a mais fundamental é considerar os fatos sociais como coisas. (Durkheim 1995:15)
  • A REFLEXÃO (representações voltadas para a prática e seus efeitos ideológicos) É ANTERIOR À CIÊNCIA: “Antes dos primeiros rudimentos da física e da química, os homens já possuíam sobre os fenômenos físico-químicos noções que ultrapassavam a pura percepção, como aquelas, por exemplo, que encontramos mescladas a todas as religiões. É que, de fato, a reflexão é anterior à ciência, que apenas se serve dela com mais método. O homem não pode viver em meio às coisas sem formar a respeito delas idéias, de acordo com as quais regula sua conduta. Acontece que, como essas noções estão mais próximas de nós e mais ao nosso alcance [??] do que as realidades a que correspondem, tendemos naturalmente a substituir estas últimas por elas e a fazer delas a matéria mesma de nossas especulações. Em vez de observar as coias, de descrevê-las, de compará-las, contentamo-nos então em tomar consciência de nossas idéias, em analisá-las, em combiná-las. Em vez de uma ciência de realidades, não fazemos mais do que uma análise ideológica. […] Esta vai das idéias às coisas, não das coisas às idéias. […] É claro que esse método não poderia dar resultados objetivos. Com efeito, essas noções, ou conceitos, não importa o nome que se queira dar-lhes, não são os substitutos legítimos das coisas. Produtos da experiência vulgar, eles têm por objeto, antes de tudo, colocar nossas ações em harmonia com o mundo que nos certa; são formados pela prática e para ela. Ora, uma representação pode ser capaz de desempenhar utilmente esse papel mesmo sendo teoricamente falsa. […] Mas as noções assim formadas só apresentam essa justeza prática de uma maneira aproximada e somente na generalidade dos casos. […] Tais noções […] são como um véu que se interpõe entre as coisas e nós, e que as encobre tanto mais quanto mais transparente julgamos esse véu. […] As necessidades que ela [a reflexão] é chamada a socorrer são sempre prementes, portanto a pressionam para obter resultados; elas reclamam, não explicações, mas remédios.” (Durkheim 1995:15-8)
  • BACON:(Durkheim 1995:18)
  • PRENOÇÕES EM SOCIOLOGIA (os homens fazem a sociedade, logo a sociedade é ideal): “Os homens não esperaram o advento da ciência social para formar idéias sobre o direito, a moral, a família, o Estado, a própria sociedade; pois não podiam privar-se delas para viver. Ora, é sobretudo em sociologia que essas prenoções […] estão em situação de dominar os espíritos e de tomar o lugar das coisas. Com efeito, as coisas sociais só se realizam através dos homens; elas são um produto da atividade humana. Portanto, parecem não ser outra coisa senão a realizaçao de idéias”. (Durkheim 1995:18)
  • PRENOÇÕES (representações genéricas, aproximadas, esquemáticas e sumárias dos aspectos mais gerais da existência coletiva) como OBJETO de uma SOCIOLOGIA PRÉ-CIENTÍFICA (Comte, Spencer): (Durkheim 1995:19)
  • COMTE: (Durkheim 1995:21)
  • SPENCER: (Durkheim 1995:22)
  • O ESTADO DE NOSSA IGNORÂNCIA (somos como médicos medievais): “No estado atual de nossos conhecimentos, não sabemos com certeza o que é o Estado, a soberania, a liberdade política, a democracia, o socialismo, o comunismo, etc.; o método aconselharia, portanto, a que nos proibíssemos todo uso desses conceitos, enquanto eles não estivessem cientificamente constituídos. Entretanto, as palavras que os exprimem retornam a todo momento nas discussões dos sociólogos. Elas são empregadas correntemente e com segurança como se correspondessem a coisas bem conhecidas e definidas, quando apenas despertam em nós noções confusas, misturas indistintas de impressões vagas, de preconceitos e de paixões. Zombamos hoje dos singulares raciocínios que os médicos da Idade Média construíam com as noções de calor, de frio, de úmido, de seco, etc., e não nos apercebemos de que continuamos a aplicar esse mesmo método à ordem de fenômenos que o comporta menos que qualquer outro, por causa de sua extrema complexidade.” (Durkheim 1995:23)
  • O ESTUDO IDEOLÓGICO DA MORAL:(Durkheim 1995:24)
  • O ESTUDO IDEOLÓGICO DA RIQUEZA:(Durkheim 1995:25)
  • A EXPLICAÇÃO DOS FATOS PRECEDE a DETERMINAÇÃO de SUAS CAUSAS e EFEITOS: “Em toda ordem de pesquisas, com efeito, é somente quando a explicação dos fatos está suficientemente avançada que é possível estabelecer que eles têm um objetivo e qual é esse objetivo.” (Durkheim 1995:25)
  • O ESTUDO IDEOLÓGICO DO VALOR:(Durkheim 1995:25-6)
  • O SER (ciência, explicação) E O DEVER SER (ideologia, arte, máximas de ação, conselhos de sabedoria prática):(Durkheim 1995:26)
  • O ESTUDO IDEOLÓGICO DO MERCADO (a lei da oferta e da procura é apenas (ideo)lógica, não científica): (Durkheim 1995:27)
  • FENÔMENOS SOCIAIS = COISAS = DADOS (data) = REALIDADE FENOMÊNICA = EXTERIOR:(Durkheim 1995:28)
  • A EXTERIORIDADE DOS FENÔMENOS SOCIAIS NÃO É ESSENCIAL, mas APENAS UM PONTO DE PARTIDA CIENTÍFICO: “É preciso portanto considerar os fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós. Se essa exterioridade for apenas aparente, a ilusão se dissipará à medida que a ciência avançar e veremos, por assim dizer, o de fora entrar no de dentro. Mas a solução não pode ser preconcebida e, mesmo que eles não tivessem afinal todos os caracteres intrínsecos da coisa, deve-se primeiro tratá-los como se os tivessem. Essa regra aplica-se portanto à realidade social inteira, sem que haja motivos para qualquer exceção.” (Durkheim 1995:28-9)
  • RETOMANDO OS CARACTERES DISTINTIVOS DO FATO SOCIAL A PARTIR DA IDÉIA DE “COISA” (aquilo que resiste à nossa vontade): “Com efeito, reconhece-se principalmente uma coisa pelo sinal de que não pode ser modificada por um simples decreto da vontade. Não que ela seja refratária a qualquer modificação. Mas, para produzir uma mudança nela, não basta querer, é preciso além disso um esforço mais ou menos laborioso, devido à resistência que ela nos opõe e que nem sempre, aliás, pode ser vencida. Ora, vimos que os fatos sociais têm essa propriedade. Longe de serem um produto de nossa vontade, eles a determinam de fora; são como moldes nos quais somos obrigados a vazar nossas ações. Com frequência até, essa necessidade é tal que não podemos escapar a ela. Mas ainda que consigamos superá-la, a oposição que encontramos é suficiente para nos advertir de que estamos em presença de algo que não depende de nós.” (Durkheim 1995:29)
  • SOCIOLOGIA e PSICOLOGIA: “Em suma, a reforma que se trata de introduzir em sociologia é em todos os pontos idêntica à que transformou a psicologia nos últimos trinta anos [1865-1895]. […] É preciso que ela passe do estágio subjetivo, raramente ultrapassado até agora, à fase objetiva.” (Durkheim 1995:30)
  • SOCIOLOGIA OBJETIVA (direito, estatística, monumentos, roupas, obras de arte): “O direito existe nos códigos, os movimentos da vida cotidiana se inscrevem nos dados estatísticos, nos monumentos da história, as modas nas roupas, os gostos nas obras de arte. Em virtude de sua natureza mesma eles tendem a se constituir fora das consciências individuais, visto que as dominam. Para vê-los sob seu aspecto de coisas, não é preciso, portanto, torturá-los com engenhosidade.” (Durkheim 1995:31)
  • SOCIOLOGIA concorrendo com PSICOLOGIA:(Durkheim 1995:32)
  • SOCIOLOGIA FRENTE ÀS OUTRAS CIÊNCIAS: “É verdade que a complexidade maior dos fatos sociais torna sua ciência mais árdua. Mas, em compensação, precisamente porque a sociologia é a última a chegar, ela está em condições de aproveitar os progressos realizados pelas ciências inferiores e de instruir-se na escola delas. Essa utilização das experiências realizadas não pode deixar de acelerar seu desenvolvimento.” (Durkheim 1995:157 nota 10)
  • PRIMEIRO COROLÁRIO DA LEI (fatos sociais=coisas) É DESCARTAR PRENOÇÕES: É preciso descartar sistematicamente todas as prenoções. […] [Essa regra] é a base de nosso método científico. A dúvida metódica de Descartes, no fundo, não é senão uma aplicação disso. […] Já vimos que a teoria dos Ídolos, em Bacon, não tem outro sentido. […] É preciso, portanto, que o sociólogo, tanto no momento em que determina o objeto de suas pequisa, como no curso de suas demonstrações, proíba-se resolutamente o emprego daqueles conceitos que se formaram fora da ciência e por necessidades que nada têm de científico. É preciso que ele se liberte dessas falsas evidências que dominam o espírito do vulgo, que se livre, de uma vez por todas, do jugo dessas categorias empíricas que um longo costume acaba geralmente por tornar tirânicas.” (Durkheim 1995:32-3)
  • PRECONCEITOS do VULGO (paixões, sentimentos, crenças) frente à CIÊNCIA: “Quem decide estudar a moral a partir de fora e como uma realidade exterior é visto por esses delicados [certos espíritos] como desprovido de senso moral, da mesma forma que o vivissecionista parece ao vulgo desprovido da sensibilidade comum. (Durkheim 1995:33) OBS.: Mas o relativismo não precisa justificar a violência.
  • SEGUNDO COROLÁRIO DA LEI É COMEÇAR PELA DEFINIÇÃO DO OBJETO: “Jamais tomar por objeto de pesquisas senão um grupo de fenômenos previamente definidos por certos caracteres exteriores que lhes são comuns, e compreender na mesma pesquisa todos os que correspondem a essa definição.” (Durkheim 1995:36)
  • COMEÇAR A DEFINIÇÃO PELOS CARACTERES MAIS EXTERIORES E SUPERFICIAIS (e não excluir nada que satisfaça essa definição), PARA DEPOIS APROFUNDAR GRADUALMENTE / OBJETIVIDADE = INTERSUBJETIVIDADE METÓDICA (difertente do senso comum): “Ora, no momento em que a pesquisa vai apenas começar, quando os fatos não estão ainda submetidos a nenhuma elaboração, os únicos desses caracteres que podem ser atingidos são os que se mostram suficientemente exteriores para serem imediatamente visíveis. Os que estão situados mais profundamente são, por certo, mais essenciais; seu valor explicativo é maior, mas nessa fase da ciência eles são desconhecidos e só podem ser antecipados se substituirmos a realidade por alguma concepção do espírito. […] Por outro lado, é claro que essa definição deverá compreender, sem exceção nem distinção, todos os fenômenos que apresentam igualmente esses mesmos caracteres; pois não temos nenhuma razão e nenhum meio de escolher entre eles. […] Com efeito, o modo como os fatos são assim classificados não depende dele, da propensão particular de seu espírito, mas da natureza das coisas. O sinal que possibilita serem colocados nesta ou naquela categoria pode ser mostrado a todo o mundo, reconhecido por todo o mundo, e as afirmações de um observador podem ser controladas pelos outros. É verdade que a noção assim constituída nem sempre se ajusta, ou, até mesmo, em geral não se ajusta. à noção comum” (Durkheim 1995:36-7)
  • OS CASOS DO CRIME E FAMÍLIA: “”(Durkheim 1995:)
  • CONCEITOS VULGARES x CONCEITOS CIENTÍFICOS: “O que é preciso é constituir inteiramente conceitos novos, apropriados às necessidades da ciência e expressos co o auxílio de uma terminologia especial. [,,,] [C]omo o conceito vulgar jamais deixa de ter algum contato com os fenômenos, ele nos indica às vezes, mas de maneira geral, em que direção estes [novos conceitos] devem ser buscados. Mas, como ele é grosseiramente formado, é natural que não coincida exatamente com o conceito científico, instituído em seu lugar.” (Durkheim 1995:38)
  • COMO SABER SE É PRECISO CRIAR UM NOVO CONCEITO: “Na prática, é sempre do conceito vulgar e da palavra vulgar que se parte. Busca-se saber se, entre as coisas que essa palavra confusamente conota, há algumas que apresentam caracteres comuns exteriores. Se houver e se o conceito formado pelo grupamento dos fatos assim aproximados coincidir, se não totalmente (o que é raro), pelo menos na maior parte, com o conceito vulgar, poder-se-á continuar a designar o primeiro pela mesma palavra que o segundo e conservar na ciência a expressão empregada na língua corrente. Mas, se a distância for muito considerável, se a noção comum confundir uma pluralidade de noções distintas, a criação de termos novos e especiais se impõe.” (Durkheim 1995:157 nota 12)
  • SOCIOLOGIA VULGAR: “Por mais evidente e importante que seja essa regra [descartar prenoções], ela não é muito observada em sociologia. Precisamente por esta tratar de coisas das quais estamos sempre falando, como a família, a propriedade, o crime, etc., na maioria das vezes parece inútil ao sociólogo dar-lhes uma definição preliminar e rigorosa. Estamos tão habituados a servir-nos dessas palavras, que voltam a todo instante no curso das conversações, que parece inútil precisar o sentido no qual as empregamos. As pessoas se referem simplesmente à noção comum. Ora, esta é muito frequentemente ambígua. Essa ambiguidade faz que se reúnam sob um mesmo nome e numa mesma explicação coisas, em realidade, muito diferentes. Daí provêm inextricáveis confusões.” (Durkheim 1995:38)
  • SPENCER e a MONOGAMIA: “”(Durkheim 1995:39)
  • GAROFALO e a TRIAGEM: “”(Durkheim 1995:39)
  • NORMAL e PATOLÓGICO são DOIS LADOS DA MESMA MOEDA: “a natureza das formas mórbidas de um fenômeno não é diferente da natureza das formas normais e, por consequência, é necessário observar tanto as primeiras quanto as segundas para determinar essa natureza. A doença não se opõe à saúde; trata-se de duas variedades do mesmo gênero e que se esclarecem mutuamente. Essa é uma regra há muito reconhecida e praticada, tanto em biologia como em psicologia, e que o sociólogo não é menos obrigado a respeitar.”(Durkheim 1995:41)
  • O PROBLEMA DO PRINCIPIO DE (UNI)CAUSALIDADE: “A menos que se admita que um mesmo fenômeno possa ser devido ora a causa, ora a uma outra, isto é, a menos que se negue o princípio ede causalidade…”(Durkheim 1995:41) OBS.: Porque negar a multicausalidade?
  • DA IDEOLOGIA à CIÊNCIA da MORAL: “É a mesma falta de método que faz que certos observadores recusem aos selvagens qualquer espécie de moralidade. […] Para decidir se um preceito é moral ou não, devemos examinar se ele apresenta ou não o sinal exterior da moralidade; esse sinal consiste numa sanção repressiva difusa, ou seja, numa reprovação da opinião pública que vinga toda violação do preceito. Sempre que estivermos em presença de um fato que apresenta esse caráter, não temos o direito de negar-lhe a qualificação de moral; pois essa é a prova de que ele é da mesma natureza que os outros fatos morais. Ora, regras desse gênero não só se verificam nas sociedades inferiores, como são mais numerosas aí do que entre os civilizados. […] Percebe-se a que erros somos levados quando não definimos, ou quando definimos mal.” (Durkheim 1995:42)
  • A CIÊNCIA PARTE DA APARÊNCIA SUPERFICIAL (pena; o fato da associação) RUMO À ESSÊNCIA PROFUNDA (crime): “Como a definição […] está situada no começo da ciência, ela não poderia ter por objeto exprimir a essência da realidade; ela deve apenas nos pôr em condições de chegar a isso ulteriormente, Ela tem por única função fazer-nos entrar em contato com as coisas e, como estas não podem ser atingidas pelo espírito a não ser de fora, é por seus exteriores que ela as exprime. Mas isso não quer dizer que as explique; ela apenas fornece o primeiro ponto de apoio necessário às nossas explicações. Claro, não é a pena que faz o crime, mas é por ela que ele se revela exteriormente a nós, e é dela portanto que devemos partir se quisermos chegar a compreendê-lo. […] [Q]uando caracteres determinados se encontram identicamente e sem nenhuma exceção em todos os fenômenos de certa ordem, pode-se estar certo de que eles se ligam intimamente à natureza destes últimos e que são solidários com eles. […] Em consequência, por mais superficiais que sejam, essas propriedades, contanto que tenham sido metodicamente observadas, mostram claramente ao cientista o caminho que ele deve seguir para penetrar mais fundo nas coisas; elas são o primeiro e indispensável elo da cadeia que a ciência irá desenrolar a seguir no curso de suas explicações.” (Durkheim 1995:43-4)
  • SENSAÇÃO x PRENOÇÕES: “o ponto de partida da ciência ou conhecimento especulativo não poderia ser outro que o do conhecimento vulgar ou prático. É somente além dele, na maneira pela qual essa matéria comum é elaborada, que as divergências começam.” (Durkheim 1995:44)
  • A SENSAÇÃO SE DISTINGUE DAS PRENOÇÕES (subjetivas) AO SE OBJETIVAR EM INSTRUMENTOS DE MEDIDA: “a sensação é facilmente subjetiva. Assim é de regra, nas ciências naturais, afastar os dados sensíveis que correm o risco de ser demasiado pessoais ao observador para reter exclusivamente os que apresentam um suficiente grau de objetividade. Eis o que leva o físico a substituir as vagas impressões que a temperatura ou a eletricidade produzem pela representação visual das oscilações do termômetro ou do eletrômetro. O sociólogo deve tomar as mesmas precauções. Os caracteres exteriores em função dos quais ele define o objeto de suas pesquisas devem ser tão objetivos quanto possível.” (Durkheim 1995:44-5)
  • OBJETIVIDADE(coletividade)xSUBJETIVIDADE(individualidade): “Pode-se estabelecer como princípio que os fatos sociais são tanto mais suscetíveis de ser objetivamente representados quanto mais completamente separados dos fatos individuais que os manifestam.”(Durkheim 1995:45)
  • REFERÊNCIA e MEDIDA (distinguir o fora-objetivo do dentro-subjetivo): “De fato, uma sensação é tanto mais objetiva quanto maior a fixidez do objeto ao qual ela se relaciona; pois a condição de toda objetividade é a existência de um ponto de referência, constante e idêntico, ao qual a representação pode ser relacionada e que permite eliminar tudo o que ela tem de variável, portanto, de subjetivo. Se os únicos pontos de referência dados forem eles próprios variáveis, se forem perpetuamente diversos em relação a si mesmos, faltará uma medida comum e não teremos meio algum de distinguir em nossas impressões o que depende de fora e o que lhes vem de nós.” (Durkheim 1995:45)
  • CORRENTES SOCIAIS (não analisáveis cientificamente) e sua CRISTALIZAÇÃO (analisáveis cientificamente): “Ora, a vida social, enquanto não chegou a isolar-se dos acontecimentos particulares que a encarnam para constituir-se à parte, tem justamente essa propriedade [em que os pontos de referência são eles próprios variáveis], pois, como esses acontecimentos não têm a mesma fisionomia de uma vez a outra, de um instante a outro, e como ela é inseparável deles estes transmitem-lhe sua mobilidade. Ela consiste então em livres correntes que estão perpetuamente em via de transformação e que o olhar do observador não consegue fixar. Vale dizer que não é por esse lado que a cientista pode abordar o estudo da realidade social. Mas sabemos que esta apresenta a particularidade de, sem deixar de ser ela mesma, ser capaz de cristalizar-se. Fora dos atos individuais que suscitam, os hábitos coletivos exprimem-se sob formas definidas, regras jurídicas, morais, ditos populares, fatos de estrutura social, etc. Como essas formas existem de uma maneira permanente, como não mudam com as diversas aplicações que delas são feitas, elas constituem um objeto fixo, um padrão constante que está sempre ao alcance do observador e que não dá margem às impressões subjetivas e às observações pessoais. […] Por outro lado, visto que essas práticas nada mais são que vida social consolidada, é legítimo, salvo indicações contrárias, estudar esta através daquelas.” (Durkheim 1995:45-6)
  • DUAS NÃO, QUANTAS SE QUEIRA: ” Uma regra de direito é o que ela é, e não há duas maneiras de percebê-la.” (Durkheim 1995:46)
  • TERCEIRO COROLÁRIO DA LEI É QUE SE BUSQUE SEMPRE ENCARAR O FATO INDEPENDENTEMENTE DE SUAS MANIFESTAÇÕES INDIVIDUAIS: “Quando, portanto, o sociólogo empreende a exploração [de] uma ordem qualquer de fatos sociais, ele deve esforçar-se em considerá-los por um lado em que estes se apresentem isolados de suas manifestações individuais.”(Durkheim 1995:46)
  • DESCRIÇÕES LITERÁRIAS (subjetivo) x DIREITO (objetivo): “”(Durkheim 1995:46)
  • A MATÉRIA CONCRETA DA VIDA COLETIVA NÃO É ACESSÍVEL DE INÍCIO (e talvez nunca o seja totalmente), POIS PARTIMOS APENAS DE SUAS MANIFESTAÇÕES OBJETIVAS: “Certamente, ao proceder assim, deixamos provisoriamente fora da ciência a matéria concreta da vida coletiva, e no entanto, por mais mutável que esta seja, não temos o direito de postular a priori sua ininteligibilidade. Mas, se quisermos seguir uma via metódica, precisaremos estabelecer os primeiros alicerces da ciência sobre um terreno firme e não sobre areia movediça. É preciso abordar o reino social pelos lados onde ele mais se abre à investigação científica. Somente a seguir será possível levar mais adiante a pesquisa e, por trabalhos de aproximação progressivos, cingir pouco a pouco essa realidade fugidia, da qual o espírito humano talvez jamais possa se apoderar completamente.” (Durkheim 1995:47)

:::::::::: CONCLUSÃO :.

  • O MÉTODO SOCIOLÓGICO É “independente de qualquer filosofia”: “”(Durkheim 1995:145)
  • SOCIOLOGIA = CIÊNCIA NATURAL (em oposição a sobrenatural-mística): “ela [a sociologia] considera os fatos sociais como explicáveis naturalmente; […] o sociólogo pratica a ciência e não é um místico.” (Durkheim 1995:145)
  • PRINCÍPIO DE CAUSALIDADE, POSTULADO EMPÍRICO, INDUÇÃO LEGÍTIMA: “”(Durkheim 1995:)
  • DO GERAL FILOSÓFICO ao DETALHE DOS FATOS CIENTÍFICOS para VOLTAR (a idéia de associação): “Enquanto o sociólogo não se separou suficientemente do filósofo, ele só considera as coisas sociais por seu lado mais gral, aquele pelo qual elas mais se assemelham às outras coisas do universo. Ora, […] é preciso sair das generalidades e entrar no detalhe dos fatos. É deste modo que a sociologia, à medida que se especializar, irá fornecer materiais mais originais para a reflexão filosófica. O que precede já foi capaz de fazer entrever de que maneira noções essenciais, tais como as de espécie, de órgão, de função, de saúde e de doença, de causa e de fim, apresentam-se nela sob luzes inteiramente novas. Aliás, será que a sociologia não estará destinada a realçar plenamente uma ideia que poderia muito bem ser a base não apenas de uma psicologia, mas de toda uma filosofia, a ideia de associação?” (Durkheim 1995:146-7)
  • O MÉTODO SOCIOLÓGICO (exprimir os fatos) REQUER INDEPENDÊNCIA DAS DOUTRINAS PRÁTICAS (individualismo, comunismo, socialismo; reformar os fatos): “” (Durkheim 1995:147)
  • SOCIOLOGIA PRÁTICA (problemas sociológicos=problema sociais? sim, transformar problemas sociais em problemas sociológicos como meio de resolve-los cientificamente): “nossa preocupação constante era orientá-la [a sociologia] de maneira que pudesse alcançar resultados práticos. Ela depara necessariamente com esses problemas ao término de suas pesquisas. Mas, exatamente por só se apresentarem a ela nesse momento e por decorrerem portanto dos fatos e não das paixões, pode-se prever que tais problemas devam se colocar para o sociólogo em termos muito diferentes do que para a multidão, e que as soluções, aliás parciais, que ele é capaz de propor não poderiam coincidir exatamente com nenhuma daquelas nas quais se detêm os partidos. O papel da sociologia, desse ponto de vista, deve justamente consistir em nos libertar de todos os partidos, não tanto por opor uma doutrina às doutrinas, e sim por fazer os espíritos assumirem, diante de tais questões, uma atitude especial que somente a ciência pode proporcionar pelo contato direto com as coisas. Com efeito, somente ela pode ensinar a tratar com respeito, mas sem fetichismo, as instituições históricas , sejam elas quais forem, fazendo-nos perceber o que elas têm ao mesmo tempo de necessário e de provisório, sua força de resistência e sua infinita variabilidade.” (Durkheim 1995:147-8)
  • OBJETIVIDADE: “nosso método é objetivo. Ele é inteiramente dominado pela ideia de que os fatos sociais são coisas e como tais devem ser tratados.”(Durkheim 1995:148)
  • DISCIPLINA: “Foi a instituir essa disciplina que nos dedicamos. Mostramos como o sociólogo deveria afastar as noções antecipadas que possuía dos fatos, a fim de colocar-se diante dos fatos mesmos; como deveria atingi-los por seus caracteres mais objetivos; como deveria requerer deles próprios o meio de classificá-los em saudáveis e em mórbidos; como, enfim, deveria seguir o mesmo princípio tanto nas explicações que tentava quanto na maneira pela qual provava essas explicações.”(Durkheim 1995:148)
  • EXPERIÊNCIAS METÓDICAS: “somente experiências metódicas são capazes de arrancar das coisas seu segredo.”(Durkheim 1995:149)
  • FATO SOCIAL=COISA SOCIAL (e não física, química, biológica, psicológica etc.): “”(Durkheim 1995:149)
  • SOCIOLOGIA CIENTÍFICA PODE NÃO SER POPULAR, MAS TEM PAPEL SOCIAL EMANCIPADOR IMPORTANTE: “Quando se pede às pessoas, como condição de iniciação prévia, para se desfazerem dos conceitos que têm o hábito de aplicar a uma ordem de coisas para repensá-las com novos esforços, não se pode esperar recrutar uma clientela numerosa. Mas esse não é o objetivo que almejamos. Acreditamos, ao contrário, que chegou, para a sociologia, o momento de renunciar aos sucessos mundanos, por assim dizer, e de assumir o caráter esotérico que convém a toda ciência. Ela ganhará assim em dignidade e em autoridade o que perderá talvez em popularidade. Pois, enquanto permanecer misturada às lutas dos partidos, enquanto se contentar em elaborar, com mais lógica do que o vulgo, as idéias comuns e, por conseguinte, enquanto não supuser nenhuma competência especial, ela não estará habilitada a falar suficientemente alto para fazer calar as paixões e os preconceitos. Seguramente, ainda está distante o tempo em que ela poderá desempenhar esse papel com eficácia; no entanto, é para torná-la capaz de representá-lo um dia que precisamos, desde agora, trabalhar.” (Durkheim 1995:150-1)
  • : “”(Durkheim 1995:)
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