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Instintos e instituições (Deleuze 2006)

Instintos e instituições (Deleuze 2006)

DELEUZE, Gilles. 2006. Instintos e instituições. (Trad.: Hélio R. Cardoso Junior) In: A ilha deserta e outros textos: textos e entrevistas (1953-1974). São Paulo: Iluminuras, pp.29-32. [1955]

INSTITUIÇÃO como MEIO HUMANO DE SATISFAÇÃO DE TENDÊNCIAS-NECESSIDADES (inversamente proporcional à “lei”)

A instituição se apresenta sempre como um sistema organizado de meios. É aí que está, aliás, a diferença entre a instituição e a lei: esta é uma limitação das ações, aquela, um modelo positivo de ação. Contrariamente às teorias da lei, que colocam o positivo fora do social (direitos naturais) e o social no negativo (limitação contratual), a teoria da instituição põe o negativo fora do social (necessidades) para apresentar a sociedade como essencialmente positiva, inventiva (meios originais de satisfação). Tal teoria nos dará, enfim, critérios políticos: a tirania é um regime onde há muitas leis e poucas instituições, a democracia é um regime onde há muitas instituições e muito poucas leis. A opressão se mostra quando as leis são aplicadas diretamente sobre os homens, e não sobre as instituições prévias que garantem os homens. (Deleuze 2006:29-30)

SOCIEDADE-INSTITUIÇÃO como PROCESSO DE SATISFAÇÃO de TENDÊNCIAS NATURAIS-INSTINTIVAS-ESPECÍFICAS

Eis o paradoxo da sociedade: nós falamos de instituições quando nos encontramos diante de processos de satisfação que não são desencadeados e nem determinados pela tendência que neles está em vias de se satisfazer – assim como não são eles explicados pelas características da espécie. A tendência é satisfeita por meios que não dependem dela. Do mesmo modo, ela nunca é satisfeita sem ser, ao mesmo tempo, coagida ou maltratada, e transformada, sublimada. […] O mais profundo problema sociológico consiste, então, em procurar qual […] é esta outra instância da qual dependem diretamente as formas sociais da satisfação das tendências. (Deleuze 2006:30)

INTELIGÊNCIA SOCIAL (a instituição como sistematizadora-controladora-purificadora de tendências instintivas da espécie)

Impõe-se reencontrar a idéia de que a inteligência é coisa social mais que individual, e que ela encontra no social o meio intermediário, o terceiro meio que a torna possível. Qual é o sentido do social com relação às tendências? Integrar as circunstâncias em um sistema de antecipação, e integrar os fatores internos em um sistema que regra sua aparição, substituindo a espécie. É bem este o caso da instituição. É noite porque a gente se deita; almoça-se porque é meio dia. Não há tendências sociais, mas somente meios sociais de satisfazer as tendências, meios que são originais porque eles são sociais. Toda instituição impõe ao nosso corpo, mesmo em suas estruturas involuntárias, uma série de modelos, e dão à nossa inteligência um saber, uma possibilidade de prever e de projetar. Reencontramos a seguinte conclusão: o homem não tem instintos, ele faz instituições. O homem é um animal em vias de despojar-se da espécie. (Deleuze 2006:31)

RELAÇÕES HUMANO-ANIMAL

[O] instinto traduziria as urgências do animal, e a instituição as exigências do homem: no homem, a urgência da fome devém reivindicação de ter pão. Finalmente, no seu ponto mais agudo, o problema do instinto e da instituição será apreendido, não nas “sociedades” animais, mas nas relações entre animal e homem, quando as exigências do homem incidem sobre o animal, integrando-o em instituições (totemismo e domesticação), quando as urgências do animal encontram o homem, seja [para] fugir ou atacar […], seja para conseguir alimento e proteção. (Deleuze 2006:31-2)

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