Carbono e enxofre em Deleuze e Guattari (2000 [1980])

Se as formas remetem a códigos, a processos de codificação e descodificação nos paraestratos, as substâncias, enquanto matérias formadas, remetem a territorialidades, a movimentos de desterritorialização nos epistratos. Em verdade, os epistratos não são mais dissociáveis desses movimentos que os constituem do que os paraestratos daqueles processos. Da camada central à periferia, depois do novo centro à nova periferia, passam ondas nômades ou fluxos de desterritorialização que recaem no antigo centro e se precipitam para o novo [Nota de rodapé 16: Cf. P. Laviosa-Zambotti, ibid: sua concepção das ondas e dos fluxos, do centro à periferia, do nomadismo e migrações (os fluxos nômades).]. Os epistratos se organizam no sentido de uma desterritorialização cada vez maior. As partículas físicas, as substâncias químicas atravessam, no seu estrato e através dos estratos, limiares de desterritorialização que correspondem a estados intermediários mais ou menos estáveis, valências, existências mais ou menos transitórias, investimentos neste ou naquele corpo, densidades de vizinhança, ligações mais ou menos localizáveis. Mas não são somente as partículas físicas que se caracterizam por velocidades de desterritorialização tachyons, buracos-partículas, quarks à Joyce para lembrar a noção fundamental de “sopa” — uma mesma substância química, como o enxofre, o carbono, etc, também apresenta estados mais ou menos desterritorializados. No seu próprio estrato, um organismo é ainda mais desterritorializado por comportar meios interiores que asseguram sua autonomia e o colocam em um conjunto de correlações aleatórias com o exterior. É nesse sentido que os graus de desenvolvimento só podem ser compreendidos de maneira relativa e em função de velocidades, relações e taxas diferenciais. Temos que pensar a desterritorialização como uma potência perfeitamente positiva, que possui seus graus e seus limiares (epistratos) e que é sempre relativa, tendo um reverso, uma complementaridade na reterritorialização. Um organismo desterritorializado em relação ao exterior se reterritorializa necessariamente nos meios interiores. Tal fragmento, supostamente de embrião, se desterritorializa mudando de limiar ou de gradiente, mas é de novo afetado no novo meio ambiente. Os movimentos locais são efetivas alterações. Por exemplo, as migrações celulares, os estiramentos, as invaginações, os dobramentos. É que toda viagem é intensiva e se faz em limiares de intensidade nos quais evolui ou, então, que transpõe. É por intensidade que se viaja, e os deslocamentos, as figuras no espaço dependem de limiares intensivos de desterritorialização nômade, por conseguinte, de relações diferenciais que fixam, ao mesmo tempo, as reterritorializações sedentárias e complementares. Cada estrato procede assim: pega nas suas pinças um máximo de intensidades, de partículas intensivas, onde vai estender suas formas e suas substâncias e constituir gradientes, limiares de ressonância determinados (num estrato a desterritorialização se encontra sempre determinada em relação à reterritorialização complementar [Nota de rodapé 18: Sobre os fenômenos de ressonância entre ordens de grandeza diferentes, cf. Simondon, ibid, pp. 16-20, 124-131 e passim.]). (Deleuze e Guattari 2000 [1980]:69-70)

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. 2000 [1980]. 10.000 a.C. – A geologia da moral (quem a Terra pensa que é?) (Trad.: Célia P. Costa) In: Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. Volume 1. Rio de Janeiro: Editora 34, pp.53-91.